25/11/2010

A crítica e consideração de Émile Durkheim sobre Rudolf Jhering

Por Luiz Bernardo Barreto


Para o sociólogo Émile Durkheim, a moral se relaciona com todos os fatos sociais dos quais deriva e formam seu conteúdo. Em sua concepção, a filosofia do direito nunca se limitou aos filósofos na Alemanha, pois os juristas já há bastante tempo vêm tratando do direito natural, e desde o início atribuíram a ele uma forma mais positiva: O direito ideal e o real; O direito ideal seria a conseqüência do destino da humanidade, com capacidade de superar os limites normais. O direito real seria a estância das necessidades da vida prática, sendo o poder direto e imediato. Para o autor, a interação dos dois não foi muito produtiva.

Em seu estudo sobre o trâmite da jurisprudência, Durkheim cita o escritor e jurista Rudolf von Jhering (autor de A finalidade do Direito, 1884), que trata de um novo conceito da filosofia do direito. Tal estudo se encontra no segundo capítulo de sua obra: Ética e sociologia da moral. No trabalho citado, o jurista trata à ética, segundo Durkheim, em seu conceito “pontual” de finalidade. A finalidade citada por Durkheim nasce de uma interação de outros campos de estudo, pesquisa e ciência na formação de uma ética doravante, e não pontual: “Nosso conceito faz dela um ramo da ciência social e irmã gêmea de todas as disciplinas (...) jurisprudência, estatística, economia política e política (...) eu próprio estou pronto a usar outras para os objetivos que tenho em mente” (Émile Durkheim). Ele também trata a ciência da linguagem como ferramenta útil na análise das ciências morais.

Durkheim critica Jhering por suas idéias serem superficiais, sem profundidade e precisão, numa pregação de um direito mais individual que coletivo. Essa prática do direito natural reduziria a realidade a um conjunto de conceitos, se estruturando numa idéia abstrata, ou seja, sem maior entendimento para o grosso da população. Dessa forma, Durkheim vem registrar que Rudolf von Jhering reconhece apenas o método subjetivo na psicologia.

Segundo Émile Durkheim, as primeiras idéias morais do povo são formuladas pela relação da mitologia e etimologia, formando essas o que o autor chama de paleontologia da ética. Essa concepção traz à tona a idéia de que as pessoas, com a abstração do pensar, não mudam sua forma, e sim sua capacidade de reflexão. Tal forma de pensar presumi o agir, que esse, por sua vez, se pauta em regras. O autor vem dizer que para explicar uma regra do direito, é preciso mostrar que ela é útil para alguma coisa, que se ajusta ao propósito a que deveria atender. “O direito é um fenômeno sociológico. Para entendê-lo é preciso buscar sua finalidade” (Émile Durkheim).

Nesse “patamar” de pensamento, o autor vem dizer que “ocorrem nas sociedades, assim como nos indivíduos, mutações que têm causas, mas não têm fins (...) a noção de que todas as nossas ações visam objetivos conscientes ou não é altamente discutível”. A primeira afirmativa ressalva que os fenômenos sociais derivam de causas práticas, com possibilidade de variações úteis, mesmo sem previsão e sem causa determinante, sem finalidade precisa. A segunda afirmação visualiza, de forma geral, que todo ato de comportamento humano, de natureza individual ou social, objetiva a adaptação do indivíduo, ou da sociedade, ao ambiente.

Para a adaptação do indivíduo, as condições são fundamentais. Em Durkheim é necessário dar ao termo “condições” um significado mais abrangente. Nesse sentido, ele vem dizer que condições não são apenas as coisas indispensáveis à sobrevivência, e sim tudo aquilo cuja falta faria a existência, que parece sem valor. Ele exemplifica sua afirmativa com a necessidade da honra, na qual não é uma condição necessária à vida, porém abstraída pela sociedade como um valor moral. Contextualizando, ele vem dizer que o direito depende simultaneamente de causas objetivas e de causas subjetivas, não tendo esse que ser “julgado” num nível de veracidade ou falsidade, mas sim num patamar de adequação ou inadequação ao objetivo que é sua razão de ser. Entende-se por Durkheim que o direito não é essencial, e sim fundamental.

“Quando a sociedade padece de males, ela se protege e os combate por meio do direito” (Durkheim). Então, para se entender o caráter jurídico, é preciso considerar sua relação com os fins que eles realizam, e não as coisas em si, porque os males podem ter diversas facetas, sendo para uns benefícios. Entendendo a relação com os fins, entenderíamos a melhor aplicação do caráter jurídico pela via do direito. “O direito é a mão pesada da sociedade sobre o indivíduo, e onde ela deixa de se fazer sentir, não existem direitos” (Durkheim). Para ele não existe apenas um único direito, sendo a sociedade que assegura todos os direitos que se possui, tendo o poder de limitá-lo e restringi-lo.

Émile Durkheim também chama atenção a um fenômeno muito presente na contemporaneidade, que é o crescimento da interferência do direito na esfera do interesse público. Isso moldura, cada vez mais, os códigos civis, de uma forma ou de outra. Tais códigos se expandem na medida em que as sociedades crescem e se tornam mais enredadas, emaranhadas, com condições de existência mais diversificada e complexa. Para dar exemplo claro, o autor cita serviços que antes eram luxo, e hoje são fundamentais (já não mais apenas essenciais), como o militarismo e a educação elementar.

A liberdade antes desfrutada pelo indivíduo agora se torna obrigação social, na qual o progresso distinguiu cada vez mais o mundo social e físico que o cerca, desenvolvendo um sentido mais forte de si. “A ação do Estado se expande cada vez mais e não é possível atribuir a ela um limite definitivo” (Durkheim). Essa é a concepção na qual Durkheim vem criticar e discordar na idéia de direito natural, emitida por Rudolf von Jhering, na qual a única função é proteger os indivíduos uns dos outros. Émile Durkheim vem assegurar que “os teóricos do direito natural esquecem de que a compreensão não pode ser reduzida a uma massa de cidadãos, nem o interesse social reduzido à soma dos interesses individuais”.

Dessa forma, ele vem dizer que não é um abismo a característica centralizadora na qual os indivíduos usam para se isolar. Muito pelo contrário, eles se amontoam uns sobre os outros, sempre se tocando no que se mexem. Porém, Durkheim concorda com Jhering quando afirma ser a coação a finalidade do direito. Mas ele ressalva que existe coação de diferentes tipos, sendo: 1. A que o indivíduo exerce sobre o outro; 2. As que se exercem em difusão pela conjuntura social sob os usos e costumes, e da opinião pública; 3. As estabelecidas e concentradas na mão do Estado (assegurando a eficácia do direito).

Durkheim conclui que onde não há coação, o direito é inexistente, e onde a coação não é bem estabelecida, não há consistência no direito. “É por isso que o direito internacional continua num estado de incoerência e confusão do qual não sairá tão cedo” (Durkheim). Coação se fundamenta na força, e, para o autor, é da força que surge o direito. No principio a força era essencial e o direito secundário. Hoje o princípio e outro. Ele se inverte, tendo a relação entre força e direito mudado. A força é auxiliar, servindo ao direito.

O autor dita o direito como algo que não é sagrado em si, sendo sim um meio de se chegar a um fim, apenas tendo valor se garantir a vida da sociedade. Contrariando essa regra, “será natural que a força intervenha e reassuma temporariamente o lugar que já ocupou”. Na concordância com Jhering, o direito é “todas as condições de existência da sociedade asseguradas por meio de uma coação externa imposta pela força colocada à disposição do Estado” (Rudolf Jhering, Der Zweck im Recht, Leipzig, 1884, vol. 1, p. 511). Jhering busca o motivo que levam as pessoas a respeitá-lo. Então, para que a sociedade seja possível, é necessário que nos desprenda de certos fatores, como a liberdade em alguns casos, por exemplo, pois o livre arbítrio assegurado pelo Estado pode ser uma concepção de liberdade não desfrutada e adquirida por determinado indivíduo. Exemplifiquemos: matar em alegação a defesa pessoal. Quem interpreta se foi defesa ou não é o Estado.

O direito se permanece com dois princípios da moral pura, que é o senso de dever e o amor. Sem tais princípios, pertencentes ao domínio dessa moral, o direito não se permaneceria. A moral, assim como o direito, consiste de preceitos que a coação torna obrigatório quando achar necessário. É necessário que haja uma flexibilização e liberdade da moral diante do direito. Mas o direito se diferencia da moral por características externar e diferenças de vem de dentro pra fora, sendo que na obra de Rudolf Jhering não se possa ver a claridade da consistência dessa diferença.

O direito, para Durkheim, é a moral mínima absolutamente necessária para o permanecimento da sociedade. Jhering aborda diferentes graus de moralidade, sendo os costumes e a moral propriamente dita. Aos costumes, ele enfatiza que tem que ser distinguido da moda, pois a essa se atribui razões individuais, inteiramente. Durkheim discorda, uma vez que, para o sociólogo, o motivo da moda é eterno, sendo sua verdadeira causa social, resultando da necessidade manifestada pelas classes superiores, na tentativa de se distinguirem externamente das inferiores. Dessa forma, as camadas inferiores tendem imitar as superiores, e os estilos se difundem pela sociedade, quando a moda é adotada por todos, perde o valor, tendo que se renovar indefinidamente para continuar sua jornada. Particularmente, e me permitindo fugir do contexto que é uma resenha científica, como aqui se intenciona fazer, exponho minha opinião discordando dessa afirmativa de Émile Durkheim, levando em consideração que na contemporaneidade o que se presencia, em alguns casos, é o inverso disso, em que a classe mais baixa, economicamente falando, dita sua própria moda, e, por vezes, constrói um modelo identitário no qual a camada mais superior, numa situação financeira, consome assiduamente. Roupas e músicas da moda (atual) são exemplos claros disso. Obviamente que esse modelo ainda se constrói em ressalvas, não sendo o modelo gerador e dominante.

Voltando ao assunto proposto, para Durkheim a moda é externa à moral (sua origem é a vaidade de classe). Porém, a moda não se dá com os costumes, que são apoios úteis indispensáveis. Dessa forma, pode-se agir contra os costumes sem ofender a moral. Os costumes então, se mostram medidas preventivas com propósito de evitar o mal, não de combatê-lo. O que o costume proíbe não é em si condenável, e sim perigoso. “O valor moral dos costumes é real, mas derivado; e, no caso de conflito com a moral, são os costumes que devem ceder” (Durkheim).

Finalizando seu artigo: Os juristas - Rudolf Jhering, sendo o capítulo II de seu livro: Ética e sociologia da moral, o autor julga a psicologia de Jhering muito simplista, atribuído ao cálculo e aos sentimentos interessados um papel excessivamente importante na formação das idéias morais e ignorando o início da evolução humana. Dessa forma, Rudolf von Jhering atribui uma importância exagerada à forma externa das coisas. Mas esse jurista, segundo Durkheim, “merece crédito por ter descoberto e indicado o caminho pelo qual a moral pode vir a se tornar uma ciência positiva”, sendo seu livro um “esforço para reunir a filosofia do direito e o direito positivo”.

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