Por Luiz Bernardo Barreto
A possibilidade de construir uma Antropologia política é prejudicada na medida em que juízos de valor e opiniões são inerentes a sua constituição como ciência. O Estado é ausente em determinadas sociedades primitivas (não-divididas), o que as constitui como tal. Segundo Pierre Clastres essas sociedades primitivas são incompletas, e subsistem na ausência da política estatal. A certeza em que a linha da história caminha num sentido único, e que toda a sociedade está inserida nesse contexto histórico ao percorrer suas etapas, indo da selvageria ao processo civilizatório, é conceito nesse autor.
No entendimento de sua obra, percebe-se a afirmativa de que as sociedades primitivas, quase sempre, são entendidas pela falta de composição do Estado, da escrita e do processo histórico, e sua economia é de subsistência. Assim, não há formulação de mercado. Dessa forma, sua tecnologia estará “estagnada” ao subequipamento e inferioridade tecnológica.
Mas não podemos falar na inferioridade técnica das sociedades primitivas, se entendermos esse conceito no sentido de que se refere ao conjunto processual adquirido pelo homem para garantir um domínio do atual meio, no sentido da adaptação e relatividade às suas necessidades. Daí, o “conceito” de inferioridade é incabível para as primitivas sociedades, dominando o meio que ocupa apenas para satisfação de suas necessidades. Pierre Clastres defende que não existe hierarquia no campo da técnica, nem tecnologia superior ou inferior, sob medida de que a avaliação do equipamento tecnológico se dá pela sua utilidade na capacidade de satisfação e necessidade.
O conceito que se estrutura no fundamento (em direito e fato) da afirmativa que diz que as sociedades primitivas estariam condenadas à economia de subsistência, em razão da inferioridade tecnológica, é combatido por Pierre Clastres. O autor ainda aponta duas proposições, consideradas óbvias, exercida pelo ocidente, quando se debate a respeito da forma de viver dos primitivos. A primeira estabelece a dependência da sociedade perante o aparto estatal, e a segunda a imposição categórica sobre a necessidade do trabalho.
A atividade de produção na sociedade primitiva é estabelecida pelo grau de necessidade a ser satisfeito, voltado à energia gasta e necessariamente suprida. A sociedade perde seu caráter de primitiva quando se divide em dominantes e dominados, à medida que sua economia se define com autonomia e definição, e a atividade produtiva transforma-se em trabalho alienado e massificado. “A relação política do poder precede e fundamenta a relação econômica de produção. Antes de ser econômica, a alienação é política, o poder antecede o trabalho, o econômico é uma derivação do político, a emergência do Estado determina o aparecimento das classes”.
Na concepção de que o tempo se torna história, o surgimento do Estado estabeleceu e dividiu o selvagem do civilizado. A infra-estrutura econômica dessas sociedades se diferenciam, mas a superestrutura política é parecida. Essa seria a “contemplação” da sociedade sem Estado. Já o Estado, no entendimento de “sociedade organizada”, vai no sentido inverso, praticando a infra-estrutura de forma parecida e a superestrutura política diferenciada de outros Estado. É o que Pierre Clastres chama de sociedade sem Estado (primeira), e Estado acabado (seguinte).
Dessa forma se entende que o fator decisivo é a ruptura política, e não a mudança econômica. A verdadeira revolução é política, e não neolítica. O chefe da sociedade primitiva não dispõe de autoridade, poder de coerção, ou meio de ordenar. Se o “poder” de persuasão não basta, ele perde sua credibilidade perante a sociedade que representa, não sendo suficiente para exercer sua função de chefe. Essa sociedade jamais irá tolerar um chefe com perfil de déspota.
“A sociedade primitiva não permite que a vontade de poder substitua o desejo de prestígio”. Ela procura exercer um poder completo e absoluto sobre o que a formula, o que a compõe, interditando a autonomia daqueles que querem interesses contrários ao da tribo em geral, e mantendo seus componentes nos limites da vida social direcionado ao bem estar pleno e coletivo. É a ordem social primitiva, que visa intervir no poder político individual, central e separado. “A palavra é o único poder concedido ao chefe”.
Tal reflexão de Pierre Clastres nos remete, mais intensamente abordando o campo da produção mercadológica e economia subsidiária, se, de fato, é o índio, em sua sociedade primitiva, que se enquadra no perfil do preguiçoso, ou o homem branco, em sua sociedade estruturada de forma estatal, que se utiliza do mercado para obter os recursos necessários com a moeda (dinheiro) de troca do seu trabalho, que é a economia. Dessa forma, me pergunto, se poderíamos afirmar que essa concepção de preguiça também poderia estar em quem prefere comprar a ter que produzir, ao contrário das sociedades primitivas fundadas na agricultura?
Em contrapartida a essa hipótese, poder-se-ia indagar que, ao momento que o homem branco já desfruta do trabalho assalariado, não há preceitos de preguiça em sua composição cultural contemporânea. Porém, dessa forma, percebemos, por muitas vezes, a produção de excedentes se multiplicarem, ao ponto de sobrar e não mais ter mercado consumidor, a medida que crises financeiras ascendem e declinam na atualidade. Daí, uma outra questão nos vem a tona: existe civilização em quem destrói seus mantimentos, territórios etc, pela “usura da produção mercadológica”, e por várias vezes estraga sua produção por negociações fracassadas com outros Estados e desvios de conduta política, associada à lavagem de dinheiro, onde por fatos já registrados em noticiários, mantimentos alimentícios são estocados, escondidos e estragados, por exemplo? Isso é uma civilização fincada no processo estatal, ou baseada no processo primitivo moderno, que ao menos respeita os preceitos éticos de uma sociedade?
Nessa “filosofia”, substituímos a preguiça do homem branco pelo olho grande e usura que mantém muitos das classes mais baixas em eternas sociedades primitivas.