07/10/2009

A concepção do texto descritivo, narrativo, e argumentativo na etnografia: a percepção dos sentidos na elaboração de suas formas

Texto por Luiz Bernardo Barreto


A compreensão etnográfica dos objetos de pesquisa se renova com a introdução de novas ferramentas de documentação e registro da percepção. O campo da iconografia se valida da “apropriação” do visual, uma vez que pesquisa, registra, discute e publica tal objeto de estudo.

Porém, o caráter de discurso é que sofre julgamento, ou pré-julgamento perante sua validade, credibilidade, relevância. A fotografia de cunho antropológico vem arraigada de conceituações, que, dentre elas, indaga-se sobre o grau e nível de compreensão do senso comum diante de determinados estudos apresentados, nos quais a fotografia se funda como ferramenta da pesquisa.

O universo da visão vem para quebrar o “paradigma” do sensível, e apenas dele, no que diz respeito à percepção da racionalidade científica ao nível dos estudos científicos. Esse novo modo próprio de pensar estrutura uma nova conceituação da descrição, por muitas vezes, se misturando com o fundamento da explicação, o que pode torna-se perigoso.

A fotografia é tida como uma aparência, uma visão expressada diante de um olhar estabelecido, ou pré-estabelecido, com pretensões, tendências, fins e meios. Ela torna-se linguagem quando caminha arraigada de valores e dizeres, sensações e expressões, interpretação e razão.

Dentre vários sentidos que a fotografia nos apresenta, a abstração se mostra uma das que mais incomodam os antropólogos e etnólogos. Da forma que a neutralidade está para um texto científico, a abstração está na construção de uma imagem, inclusive fotográfica.

A descrição então, se estrutura ao passar do tempo, onde nossa percepção fica mais maturada, mais eficaz, mais próxima de uma compreensão com mais verdade e mais ampla. Ela vem com o tempo, pois é fruto do tempo, e filha da experiência. O estado da descrição sempre caminha com a necessidade e prioridade de se aumentar a bagagem intelectual e prática do nosso campo e objeto de pesquisa.

Ai se encontra um erro no que se nomenclatura de estatuto da escrita descritiva, onde subjetividades se tornam “verdades”, e juízo se torna valor, norma, conduta. Se o objeto iconográfico, a fotografia (se assim for tratada), vem estruturado e acompanhado de uma narração, o seu papel é a descrição, que tem cunho romântico, literal. Não que a narração não sirva à explicação, mas ela é incompleta em termos científicos para argumentar sobre o tema. Na explicação, a narração apenas é utilizada para levar o leitor ao que é considerado digno de interesse e de respeito, ou seja, a demonstração. A descrição tem papel de ilustrar e demonstrar, nunca de explicar.


Quando interpretamos algum objeto científico, nos deparamos com problemas de análise relativos à captação da descrição. O etnocentrismo, e a prática puramente, sempre condicionalmente, normativa, empobrecem o campo da ciência com limites, redundância e conceitos apenas teóricos e nada práticos. A teoria acaba, por vezes, não sendo lúcida sobre si mesma. “Mesmo admitindo que a explicação explique o que ela não é, ela acaba tendo tendência, por causa da auto-referencialidade, a ignoras-se”. O mostrar e o demonstrar não são apenas atos do pesquisador, e sim exercícios por ele apreendido, que tem que ser tomado à cabo diante sua necessidade de executa-lo.

A descrição etnográfica não se limita unicamente à sua modalidade textual, mas também opera no campo da museologia, sendo uma atividade de conservação, exposição e restituição. Ela se fundamenta, entre outros fatores, na particularização do saber, da forma de expressar, no modo e publicar. Sua maior característica é do envolvimento, não da argumentação, como tem que ser na explicação. Mas a descrição se mostra indiferente nas idéias gerais que leva a pensar num olhar emotivo, porém não no ângulo conceptual.


Na descrição etnográfica, o sujeito da enunciação é largamente minimizado a favor do enunciado de referência. O que importa é a pesquisa, e não o pesquisador. É na linguagem que tudo acontece. A cultura só se constitui a partir da etnografia, da etnologia e da antropologia. A problemática na atividade da descrição etnográfica não repousa no caráter da referencialidade, mas sim, na linguagem. Qual a linguagem para se pensar, abordar, estruturar e pesquisar determinado assunto? A concepção dessa linguagem se encaixa nos viés da etnografia, etnologia e antropologia? Quais parâmetros usaremos para determinar tal objeto de estudo como social, onde a fotografia sirva de suporte técnico na captação, e teórico da interpretação e explicação, fazendo nascer a argumentação?

Essas indagações, dentre várias outras que circundam o campo da fotografia como objeto de estudo e ferramenta de pesquisa, servem como suporte para melhor entendermos a processo de produção cultural, em que nossas pesquisas se tornam e faz nascer. O condicionamento do olhar e sua interação com a ciência é um procedimento que leva tempo e maturidade, assim como na descrição, até porque isso é descrever.

A forma que encontramos para argumentar determinado tema se estrutura por uma linguagem complacente à nossa teoria, a nossa postulação, ao nosso sentido e percepção na construção e procura da melhor forma a se estruturar nossa pesquisa. Algo que habilite nosso olhar, e sempre progrida no sentido da interpretação e explicação.
A fotografia combate tudo aquilo que é unívoco, determinando, até pra si mesmo, a experimentação visual e lingüística das diferenças, baseadas em diferentes maneiras de contar e registrar suas histórias, com versões variadas de diferentes visões, sob olhar com aspectos de diferentes percepções.

Qual seria a graça e o objetivo da fotografia se essa se mostrasse uma linguagem de um só entendimento, a exatidão? A graça seria nenhuma e o objetivo um objetivismo falso e desvairado, onde a cientificidade roubaria todo o prazer da verdade.

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