22/10/2008

Samba de Coco Raízes de Arcoverde

Fotos e texto por Luiz Bernardo Barreto
Pesquisa Orientada pela Prof. Aline Grego Lins
(esse texto é parte da pesquisa de Especialização em Jornalismo Cultural feita por esse pesquisador)

O coco Raízes de Arcoverde é um grupo sertanejo que tem em sua essência elementos indígenas e a poesia própria do sertão. O Grupo foi formado em 1992, por Luiz Calixto, o Lula Calixto, falecido em 1999. Inicialmente o coco foi formado com as irmãs Lopes, membros da família Gomes, e os Calixto. Essas eram pessoas que já se juntavam pra fazer coco antes do grupo ser resgatado em 92. Apesar do grupo ter nascido em 1992, ele só passou a ser conhecido do público a partir 1996, quando apresentações em outras cidades e paises foram surgindo. O primeiro CD do grupo vem em 2002, o segundo, intitulado Gudê Pavão, em 2004. O coco Raízes de Arcoverde, através da “filosofia” de Lula Calixto, representa o coco trupé, que é rápida e forte pegada dos pés, com uso de tamancos de madeira, fazendo a sonoridade percussiva típica do grupo. O grupo é do Alto do Cruzeiro, bairro simples de Arcoverde. O xaxado e o samba de roda são influências presentes na dança e música do Coco Raízes.

A cidade de Arcoverde tem cerca de 70 mil habitantes e, além do coco, é celeiro cultural de outras manifestações, como o Aboio, a Embolada, o Violeiro, e os ritmos indígenas. Existem outros cocos de importância além do Raízes de Arcoverde, representado pelos Calixtos, como dos Gomes e o de Biu Neguinho. O triângulo é um elemento essencial nesse coco. Está presente em todas as loas. A sambada, então, é um verdadeiro instrumento, pois a dança compassa a percussão.

Francisco de Assis Calixto Montenegro, nascido em 04 de outubro de 1944, no povoado de Estreito, no município de Sertânia, sertão pernambucano, é um dos principais autores das loas do grupo, e tocador de triângulo. Chegou em Arcoverde em 1952, com oito anos de idade, teve contato com vários coquistas, principalmente de Alagoas e Maranhão, segundo diz. “Desde pequeno eu acompanhava esses cantadores, às vezes pra uma tapagem de casa, pra amacetar o barro (...) O coco feito pelo Raízes de Arcoverde é muito diferente dos que eu participava. Esse coco é feito por trupé, onde se calça a alpargata” 18, conta. A idéia de se fazer o coco trupé nasceu quando Lula Calixto fez o primeiro tamanco do grupo, a sandália alpargata. “Hoje o trupé é um instrumento no coco”, reforça Assis.

Assis Calixto ainda lembra que antes da introdução do trupé, o que se dançava era a mazurca. A mazurca é uma pisada não tão rápida quanto o trupé, mas bastante forte. “Antigamente a dança era conhecida como mazuca, mas o trupé foi criado a partir dos tamancos (...) geralmente o coco feito aqui em Arcoverde era tocado apenas com um ganzá, feito com lata de leite ninho, com pedras ou caroços de milho dentro. Era um instrumento só, para se dançar a noite toda. O grupo Raizes hoje já usa o surdo, o triângulo, o pandeiro, o ganzá e o trupé, que é um instrumento. (...) quando surgiu o coco no nosso Brasil, era com o maracá de índio (instrumento indígena em forma de chocalho), já que o coco também tem muito da coreografia indígena. Já no litoral se usa mais a alfaia, mais instrumentos e uma dança totalmente diferente, é uma dança mais solta, com menos pisada, e dançada mais em compasso. Aqui no sertão temos coco trocado e de lenço, entre outras”.

Assis explica que o coco trocado (categoria da dança) é quando se dança em parelha (com acompanhante) onde, de mãos dadas, cada um vai para um lado diferente. O coco do lenço é o mesmo movimento que o coco trocado, mas os parceiros pegam em um lenço, cada um de um lado. As letras criadas por Assis Calixto tentam representar nada mais além das cenas do cotidiano sertanejo. Árvores, animais e até casas desprezadas servem de inspiração para ele.

Seu irmão, também cantador de coco e integrante do grupo, Damião Calixto Montenegro, 62 anos, nascido no município de Custódia, mas criado em Arcoverde, comenta: “Essa atividade do coco já vem de muito longe e eu aprendi com senhores de idade”. Ele reforça a afirmação do irmão sobre a nomenclatura que se dava para dança do coco antigamente: “Na época que eu dançava o coco com meus pais não era trupé, nem sambar ou pisar o coco, era mazuca. Era quando fazíamos a tapagem de casa” 19. Ainda falando sobre a dança, Damião Calixto cita coquistas olindenses e faz comparações: “Nós conhecemos Selma do coco, Aurinha, Washigton (Cotia), e a dança deles é tudo diferente da nossa, pois eles dançam fazendo roda, e não batendo o pé forte, como nós”. Ainda citando nomes, Damião fala sobre as influências que tem do coco: “Quinca, Galego, Ivo Lopes, Zé da Terra, Antônio de Moura, Das Doura, Alfredo Sueca, todos eles faziam coco. Foi quando eu vim conhecer o coco, na década de 60, por ai”.

Um outro componente do grupo Samba de Coco Raízes de Arcoverde é Cícero Gomes da Silva, 53 anos, que antes compunha o coco do Mestre Ivo Lopes. Depois do falecimento de Ivo Lopes, Lula Calixto assumiu o trabalho e resgatou a cultura do coco em Arcoverde. Cícero Gomes, assim como Assis Calixto, é responsável pela produção das loas. “Quando agente ta fazendo as letras, agente tem que tomar cuidado para se fazer algo com simplicidade que lembre alguém, trazendo mais amor e esperança no coração de alguém (...) o nosso objetivo é fazer as letras que agrade as pessoas. O nosso ritmo de cantar e brincar é bem nordestino. Agente traz a lembrança das pessoas mais velhas” 20, comenta. Falando sobre a dança ela afirma que o coco Raízes de Arcoverde traz uma pisada que era feita pelos coquistas mais antigos da região: “O povo ainda se anima muito quando ver Dayana Calixto e Fagner Gomes pisando (dançadores do trupé do grupo). O que agente traz hoje ainda é aquele ritmo dos índios, dos escravos e colonos, como eles dançavam. Então hoje, esse trabalho que agente faz ainda é trazendo e fazendo a lembrança daquele povo. Essa lembrança nunca pode ser esquecida”.

Cícero Gomes lembra que nem sempre existiu o tamanco, forte marca do Raízes de Arcoverde. “O samba de coco ainda traz a lembrança da pisada. Não tinha o tamanco naquela época. Existia, mas era difícil. Agente usava mais a percata, conhecida como alpargata. Agente começava o coco de sete da noite, e ia até às sete da manhã do outro dia. O nosso companheiro Assis fazia uma cachaçada, onde colocava raspa de pau, casca de cobra, de geribuaba etc. O que tivesse ele colocava na bebida. Fazia uma temperada bem gostosa. Agente tomava e não dava dois minutos não, pois as orelhas esquentavam, e você entrava no coco e era a noite todinha. O coco é amor, amizade. Tudo o que você pensar tem dentro do coco, pois sai da alma”, comenta.

O cantador ainda disserta sobre a origem do coco, afirmando que o coco é um ritmo brasileiro, mesmo sendo trazido pelos escravos. “Antigamente, em outra época, o coco existia somente com os pretos, os negros. Hoje é preto, é branco, é louro e mulato, tudo misturado. É banana misturado com goiaba, e ai agente faz a salada e todo mundo brinca”, fala descontraído. Cícero Gomes também se inspirou em além de Ivo Lopes e Lula Calixto, Júnior Baixeiro, Seu João, Antônio de Moura e outros, e comenta sobre as origens do coco em sua região: “Pra cantar coco todo mundo canta, mas precisa ter a mente aberta pra o que vai fazer, porque existem diferenças. Tem o coco de embolada, tem o coco de passeio, e o coco ritmado, que o que agente canta. (...) Na época que começamos, eu, Assis, Damião e os mais velhos, a gente tocava na boca da noite. Não existia pandeiro nem surdo. Só existia simplesmente um ganzá, que era feito com lata e pedaços de milho ou de feijão, e ficava a noite todinha. Todos cantavam”.

Foi a partir da década de 70 que o pandeiro, o surdo e o triângulo foram introduzidos no coco feito por aqueles que, futuramente, iriam fundar o Samba de Coco Raízes de Arcoverde. Biu Neginho, antigo tocador do surdo veio com uma pancada própria que se tornaria típica do grupo.

Sapatear no coco é, além de simplesmente bater o pé no chão com os tamancos ou descalços, uma expressão característica forte e ritmada dos pés, com cadência, executada em 1º tempo, objetivando a instrumentalização, por vezes sendo ela a principal no processo sonoro. O trupé é uma forma evolutiva da dança, por influências diversas. Essa característica é implementada de forma inovadora pelo Samba de Coco Raízes de Arcoverde, uma vez fundada por Lula Calixto, seguida pelo grupo e reconhecida como marca maior de sua ritmia. É como registrou Maria Ignez Novaes Ayala, em seu artigo Os cocos: Uma manifestação cultural em três momentos do século XX, onde afirma que “Há diferenças marcantes entre a poesia dos cocos apenas cantados e a daqueles encontrados na dança” (Ayala, 2000, p. 31).

Para ilustrar a ritmia da letra desse coco sertanejo, selecionemos uma canção presente do segundo cd de trabalho do grupo, “Raízes de Arcoverde”. O coco analisado é de quadra, que é o verso cantado pelo solista com os três seguintes cantados pelo coro. O título é “Adeus Morena”, nona faixa do disco. A música cantada se estrutura da seguinte forma, sendo o puxador o cantador oficial, e o coro a resposta:

Letra e intérprete: Assis Calixto
Arranjo: Coco de Arcoverde

Adeus Morena
Eu vou embora
Meu coração dentro do meu peito mora Puxador (refrão)


(em seguida o coro repete o refrão em bis)

Eu vou embora / que aqui não posso ficar
Por causa dessa morena / que só pensa em se casar Puxador

(Refrão) coro

Morena, minha morena / sempre penso em você
Vou-me embora pra bem longe / não consigo te esquecer Puxador

(Refrão) coro

Morena, minha morena / sobrancelha de veludo
O teu pai não tem dinheiro / mas teu olhos valem tudo Puxador

(Refrão) coro

Eu vou embora
Pro Paraná
Eu vou embora / mas de trem não chego lá Puxador

(Refrão) coro


Eu vou embora que aqui não posso ficar
Por causa dessa morena que só pensa em se casar Puxador

(Refrão) coro


Uma outra loa, carregada de sentimento, beleza e inteligência, é a faixa 02 do segundo Cd do grupo, intitulada “acorda criança”, de autoria de Lula Calixto, feita um dia antes de seu falecimento. A estória da música disserta sobre a humildade de se sentir uma criança diante da vida, quando já se “sabe” que a morte está perto. Lula Calixto faleceu em 1999, devida uma doença de chagas. A letra da loa assim faz:

To nos braços de mamãe, pra ela me acarinhar,
Apareça o valentão para me tirar de lá
Nos braços dela meu vou morar.

Me orgulho em ser criança
E também em estudar
Aprender coisas da vida
Que venha me ajudar
Nos braços dela eu vou morar

Saber falar com mamãe
Também agradar papai
A data comemorar
Tenho Deus pra me ajudar
Nos braços dela eu vou morar

Nós fizemos esses versinhos
Para homenagear
As crianças do meu lar
E de toda capital,
nos braços dela eu vou morar.

A casa que era do anfitrião do grupo, Lula Calixto, hoje é um pequeno museu e a sede do grupo, que é formado por filhos, irmãos, sobrinhos, tios. Na maior parte todos da família Calixto. O grupo além de cantar as loas feitas por Lula Calixto, Cícero Gomes e Assis Calixto, também canta muitas músicas de domínio público. Eles representam, como afirmou Assis Calixto, o coco trupé, com rápido compasso da dança, que, no resultado final da sonoridade, representa um instrumento tão importante quanto o bumbo, pandeiro e triângulo usado na composição rítmica.

O grupo já viajou para Bélgica, França, Itália, entre outros países, mostrando e divulgando uma cultura e tradição brasileira, nordestina, pernambucana. O recorte cultural é seletivo e original, uma vez que o som produzido e divulgado pelo grupo foge dos padrões estilizados de coco e música nordestina em geral.

Como anunciado pelos integrantes do grupo Samba de Coco Raízes de Arcoverde, a primeira forma de se fazer coco era apenas com ganzá. O ganzá é o primeiro instrumento do coco, quando ainda sua maior característica era a embolada e o “desafio”. Outro instrumento bastante antigo é o melé - um pedaço de tronco de coqueiro vazado por dentro, com uma câmara de ar de pneu esticada fazendo o papel da pele - instrumento bastante antigo, resgatado por Assis Calixto, que lembra, de forma vanguardista, os antigos cocos do sertão de Pernambuco.

Samba de Coco Raízes de Arcoverde tem uma instrumentalização parecida com o coco litorâneo, por usar triângulo no seu compasso rítmico. Mas, é bom registrar que os outros instrumentos nem sempre são tocados com o mesmo compasso que são no coco praieiro. O coco feito no litoral usa a zabumba, numa batida de tambor mais pesada, com o auxílio de tambor e congas. Essa sonoridade no som produzido pelo coco Raízes de Arcoverde é feito por um bombo, e, logicamente, de forma autoral, o trupé.

A marcação do pandeiro não é tão acelerada, pois com ele não se objetiva o compasso de uma embolada, e sim da marcação da loa, do trupé, do triângulo e da resposta. Ou seja, o pandeiro é um instrumento complementar que não dita ritmo, mas sim marca o tempo. Característica diferente do coco Mazuca de Agrestina, por exemplo, que tem no pandeiro a inovação de uma forma de se fazer Mazuca, já que essa tipificação do coco é a mais primitiva registrada nessa pesquisa, uma vez que apenas dois instrumentos, pandeiro e ganzá, são utilizados. Mas aí, a pisada, não o trupé, também é um instrumento de grande importância, uma vez que o número de integrantes e a “força” na qual é imposta na pisada, dirá o volume e o compasso do som produzido.

18 Todos os depoimentos de Assis Calixto neste texto foram dados a este pesquisador, em sete de Agosto de 2008, na Sede do Grupo, no bairro do Alto do Cruzeiro, Arcoverde – PE.
19 Todos os depoimentos de Damião Calixto neste texto foram dados a este pesquisador, em sete de Agosto de 2008, no bairro do Alto do Cruzeiro, Arcoverde – PE.
20 Todos os depoimentos de Cícero Gomes da Silva neste texto foram dados a este pesquisador, em nove de Agosto de 2008, no Recanto do Coco Raízes de Arcoverde, Arcoverde – PE.

2 comentários:

Unknown disse...

eu gostaria de lembrar ou mesmo ouvir o coco, que na época era puxado e cantado pelo grande mestre ivo lopes - eu vou cortar capim pra meu cavalo comer. grato Geoflan Dias Lopes.

Unknown disse...

lembro tambem da época do parque que era proximo ao colegio carlos rios - quem organizava na época era o sr.Miguel se eu não me engano ele era parente de Damião. e eu me acho muito feliz no crescimento do "Samba de Coco Raize de Arcoverde" Sou natural de Flores - Sitio dos Nunes - morei em Arcovede até 1972 - atualmente em Recife. grato geoflan