22/10/2008

Coco Mazuca de Agrestina

Fotos e texto por Luiz Bernardo Barreto
Pesquisa Orientada pela Prof. Aline Grego Lins
(esse texto é parte da pesquisa de Especialização em Jornalismo Cultural feita por esse pesquisador)

Há quem escreva Mazuca, e outros que escrevem Mazurca. Com ou sem ‘r’, Mazuca de Agrestina, dessa forma escrita no Cd, é um coco de raiz, simples e sem muitos elementos percussivos, comparado ao coco litorâneo, e até mesmo ao coco sertanejo Raízes de Arcoverde. A “primeira-dama” do coco Mazuca de Agrestina se chama Amara Maria da Conceição, 106 anos, nascida em 24 de novembro de 1901, filha de negros alforriados pela lei do ventre livre, e maior preservadora dessa tradição e batedora de mazuca da região. Ela é uma pessoa que todos do grupo respeita e considera. “Dona Amara é uma pessoa simpática e gosta e dar valor a Mazuca. Pra ela, no dia que não tiver uma Mazuca, ela se senti doente” 21, diz Valdir Manoel da Silva, cantor e compositor do grupo. Dona Amara é a principal propulsora dessa tradição nos dias atuais, pois mesmo tendo bastante idade, ainda participa das brincadeiras.

Segundo Valdir, Dona Amara explica a origem da Mazuca afirmando que essa cultura nasceu no tempo da escravidão, quando os negros da senzala brincavam a Mazuca, como afirma. “Surgiu a Mazuca dali, no tempo da princesa Isabel”, palavras de Dona Amara, ditas por Valdir. “Dona Amara é uma figura extraordinária, ela mora sempre no coração da Mazuca. Foi ela quem orientou e incentivou bastante a Mazuca, pois graças a ela, a Mazuca é reconhecida hoje”, complementa. Os avós de Dona Amara foram os introdutores da Mazuca naquela região de Agrestina. Foi graças à lucidez de Amara que as loas e cantigas da Mazuca foram lembradas e resgatadas, sendo passada para as novas gerações.

O coco de Mazuca dar mais destaque a palavra, ao verso. O pandeiro é que dita o ritmo. Acompanhando-o, encontra-se o ganzá. O papel da zabumba é feito pelos pés, ou seja, o sapateado (pisada) na Mazuca sempre se apresenta como instrumento. Quase sempre com a mesma batida. É apenas essa a composição do coco de Agrestina: a loa (letra), o pandeiro como principal instrumento, juntamente com o ganzá, as palmas e a pisada. A resposta é feita por mulheres, homens e crianças. São 23 integrantes no grupo. Os homens usam camisas quadriculadas e, as mulheres, vestidos estampados. A utilização da pisada como substituição a zabumba é imprescindível. Há momentos, na execução da música, que o sapateado é composto por duas pegadas diferentes. Uma faz o papel da marcação, já introduzido desde o começo da música, e o outro faz um solo, com uma levada mais acelerada. Isso é percebido na faixa “coqueiro do norte”, do Cd Mazuca de Agrestina, lançado em 2007.

Agrestina é um município do agreste pernambucano, próximo à Caruaru. A cidade é nova, tem apenas 80 anos. Mazuca na verdade é Mazurca, uma dança polonesa muito dançada na época do império, onde animava as Casas-Grandes, comum no Brasil no século XIX, que os índios e negros viam de longe e tentavam reproduzir ao seu modo. A mazuca nasce no encontro dos escravos que fugiam das senzalas e dos índios que viviam no meio do mato. O maracá, instrumento indígena que é uma espécie de chocalho, “evoluiu” para o ganzá, primeiramente feito de lata, com caroço de feijão ou milho. Coincidência ou não, Agrestina é a cidade do chocalho, pois é uma grande fabricante dele.

O grupo nasce quando o compositor Joaquim Sebastião da Silva, o Joaquim de Til, 84 anos, e o também cantor e compositor Valdir Manoel da Silva, o Cotia, 32 anos, e o dançarino “respondedor” das loas José Sebastião da Silva, o Zé Pretinho, de 62 anos, juntamente com os outros integrante, e Dona Amara, se juntavam para as festas, acontecidas no mês de junho, no Sítio da Alegria, em Brejinho de Cajarana, distrito localizado a 18 quilômetros de Agrestina, e local de residência de Dona Amara. Seu Joaquim de Til iniciou-se na manifestação da Mazuca com 15 anos, dançando e cantando nos sítios de Brejinho da Cajarana, ele não “bate” mais a Mazuca, mas suas músicas são cantadas pelos mazuqueiros. (na foto, Zé Pretinho)

O cantador e compositor da Mazuca de Agrestina Valdir Manoel da Silva, desde oito anos já dançava nas festas de Mazuca da comunidade de Brejinho do Cajarana, zona rural do município de Cupira. “Comecei na Mazuca junto com dona Amara mesmo, pois nasci e me criei na comunidade, onde comecei batendo a Mazuca... Uns foram esquecendo, outros foram levando, e eu fui adiante”, comenta. Valdir, assim como em outros grupos de coco entrevistados, lembrou que a origem da Mazuca também está relacionada às antigas formas de tapar as casas de barro. Segundo Valdir, há vinte anos a instrumentalização dessa sonoridade era só o ganzá. Compunha a ritmia, além das loas cantadas, lógico, a palma de mão e a batida do pé. “Dona Amara foi quem deu a idéia de botar um pandeiro na Mazuca. Em certa entrevista ela dizia sobre a origem da Mazuca e citou um instrumento, mas não sabia dizer o nome pandeiro. Ela disse que existia um negocio que fazia bum, bum, bum, bum. Ela dizia assim. Ai, eu perguntei se o instrumento que estava se referindo não seria um pandeiro. Então ela disse que sim, que era um pandeiro”.

O compositor e cantor Valdir da Silva, teve uma preocupação sobre a nova introdução do pandeiro na sonoridade do grupo. “Eu perguntei pra ela se o pandeiro não tiraria a originalidade do grupo, já que o coco era de ganzá, e ela disse que não, pois o pandeiro tem aquelas coisinhas que balançam também, nas palavras dela”. O que é interessante, é que mesmo Dona Amara não tendo conhecimento técnico do instrumento, sabia fazer a junção de diferentes composições físicas de um instrumento, resultando numa sonoridade complacente ao da Mazuca. Ou seja, o pandeiro é munido de pequenos pratos de metal, que o circundam. Peças essas que, de fato, produzem som parecido com o do ganzá. Em complemento, o pandeiro também é um instrumento de marcação, mas pra ser batido, e não apenas balançado. De certa forma, devemos levar em consideração que, algum dia, quando Dona Amara era mais nova, alguém poderia ter aparecido numa roda de mazuca com instrumentos de tais características. Então Valdir pôs um pandeiro na Mazuca.

Questionei Valdir sobre as diferenças do coco Pernambucano, já que, além de cantar e compor a mazuca, ele é embolador.“Eu acho a diferença através de ritmo. Na Mazuca eu utilizo o pandeiro em batida lenta, ou mais rápido. Existem vários tipos de coco. Eu também faço coco de embolada. A Mazuca eu chamo de loa porque não me refiro ao coco de embolada. (...) antigamente o povo passava a noite todinha cantando uma loa ou duas da Mazuca, a pisada não parava e a música seguia direto, sem parar”.

Além do pandeiro, o ganzá, primeiro instrumento da mazuca e dos cocos em geral, na mazuca é representado por José Otaviano da Silva, 54 anos. Quando não tinha pandeiro, Valdir tocava o ganzá e Zé Otaviano o triângulo. O ganzá que Zé Otaviano toca é singelo, ganzá pequeno, que é segurado em apenas uma mão.
A mazuca era, e ainda é, motivo para se matar um porco ou um bode e dançar a noite inteira, com todos bebendo e se divertindo, como diz Valdir Silva. As letras, como todos os cocos, contam a história e cotidiano daqueles que vivem no agreste (no caso da Mazuca de Agrestina), seus hábitos, além de brincar com as palavras, relatando ocasiões hilárias do dia-a-dia, como na música “papagaio”, de Valdir Silva:


Dê cá o pé meu loro, papagaio
Louro o pé dê cá, papagaio
Dê cá o pé meu louro, papagaio
Louro o pé dê cá, papagaio

“Aplantei” mandioca, papagaio
Nasceu macaxeira, papagaio
Nego macho fede, papagaio
Nega fêmea cheira, papagaio

Nega cheira fêmea, papagaio
Porque bota pó, papagaio
Nego macho fede, papagaio
Porque tem suor, papagaio


(A palavra papagaio aí, se apresenta como resposta da loa).

A mazuca de Agrestina está sendo preservada através de aulas sobre essa tradição, lecionadas por Valdir e outros, e da difusão das loas por meio do Cd, produzido pela Coreto Records. “Enquanto vida tiver Dona Amara, eu não vou deixar a Mazuca de Agrestina morrer nunca. E se Deus quiser, meu filho, que me disse que quer seguir meus passos, vai ser um grande mazuqueiro”, diz. Infelizmente, não foi possível entrevistar Dona Amara, pelas condições do clima e acessibilidade à sua casa, no sítio da Alegria, distrito de Brejinho de Cajarana.

Nas análises e teoria construída pelo pesquisador Altimar de Alencar Pimentel (1978) e apresentadas na parte introdutória desse trabalho, no que a transformamos na linguagem dessa presente pesquisa, percebemos que a loa cantada na mazuca é um tipo de coco que é repetido até que um outro tome o seu lugar. Em termos mais técnicos e específicos, a mazuca não é um coco solto, onde o cantador tem espaço e liberdade pra embolar a qualquer hora, como no coco litorâneo, pois a levada da mazuca é de quadra e está sempre presa ao estribilho. Isso significa que a loa parte do coro (o estribilho), que se repete insistentemente, enquanto o cantador da loa versa a letra.

No estudo do pesquisador Abelardo Duarte (1975) também abordado na parte introdutória desse trabalho, encontramos as impressões por ele registradas acerca do pensamento do pesquisador Luiz Heitor, que define o coco sertanejo, ou agrestino, como com menos preocupação de se fazer emboladas, de “puxar” o coco.

Este Mestre brasileiro assinala que “o sertão é maior, mais famoso, mais opulento, e sua arte passou a constituir a aristocracia do folclore musical nordestino. Sente-se perfeitamente, que um cantador do sertão considera a arte de“puxar” cocos uma arte menor, que ele ignora e despreza. Nela não se exige a mestria da inventiva poética, nem a perícia da execução instrumental que devem ser atributos do cantador. É mais primitiva. Muito menos refinada (Duarte, 1975, p.57)

De todos os cocos pesquisados nesse estudo, pode-se afirmar que o coco da Mazuca de Agrestina é o que mais se apresenta na manutenção da preservação instrumental, uma vez que apenas um instrumento era usado, e, há pouco tempo, e por intermédio da maior representante dessa tradição, Dona Amara, foi incluído o pandeiro.

21 Todos os depoimentos de Valdir Manoel da Silva neste texto foram dados a este pesquisador, em 10 de Agosto de 2008, na cidade de Agrestina - PE.

3 comentários:

Anónimo disse...

Perdemos um dos grandes coquistas de Pernambuco. Sebastião Grosso. Bastião partiu no ano passado, deixando seu primeiro e único CD, lançado em sua cidade natal, Goiana. Levou consigo centnas de cocos cantados e compostos por ele e por seu pai. Dona Rita, viúva de Sebastião, agora segue com o "Coco de Dona Rita", com o objetivo de dar continuidade ao coco de Sebastião.

Vale a pena dar uma olhada.

Beijo Bernardo!

www.seinao.net

Carol Pacobahyba

Anónimo disse...

parabéns pelo belíssimo trabalho sobre a mazuca.Nós de tacaimbó também temos a mazuca,ela é tocada e dançada no mês de junho nos sítios:impoeiras,boa vista de cima e serrote da carreira.gostaria muito de poder trocar experiências com nossos vizinhos de agrestina.
alvaro marques - tacaimbó - PE
alvaro13pt@yahoo.com.br

Unknown disse...

Olá, tudo bem com você? parabens pelo seu belo trabalho referente a mazuca. Joaquim sebastião( Joaquim de tel)é meu pai. Continua morando em Agrestina, e completou 87 anos no dia 25 de abril. Nós temos muitas saudades das mazucas que ele cantava .Ao amanhecer as canções mudavam de tom. E você nem lembrou dele?. Meu abraço à Você. Meu nome é Marinete, moro em S.Paulo.