Fotos e texto por Luiz Bernardo Barreto
Pesquisa Orientada pela Prof. Aline Grego Lins
(esse texto é parte da pesquisa de Especialização em Jornalismo Cultural feita por esse pesquisador)
Coco de praia é sinônimo de muitos Mestres em Olinda. A cidade é um celeiro de coco
solto. Entre os “pólos” mais conhecidos dessa manifestação estão o coco de Selma, o de Beth, o do Pneu, e o coco de Ana Lucia Nunes da Silva, entre outros. Coquista de 62 anos, moradora do Amaro Branco, em Olinda, Ana Lucia Nunes da Silva tem uma importante parcela na história do coco olindense. Começou “cantar” o coco, segundo ela, com três anos de idade, quando respondia o coco dos mestres que via cantar. Participa do coco do Pneu, no Amaro Branco, mas realiza periodicamente a manifestação do coco em frente à sua casa, pouco atrás do farol de Olinda. Na sua vida coco é tradição, passada para suas filhas, também coquistas.
Além do coco, Ana Lucia desenvolve trabalho no Pastoril, divulgando e exibindo essa manifestação religiosa. Religião é algo muito presente na cultura de Ana Lucia. Como ela mesmo fala, “Eu canto coco em louvor a São João Baptista, e não admito que no coco de roda tenha palavrão. Palavrão é uma coisa do pastoril profano, algo do Velho Faceta, e tem que ser respeitado (...) Todo mundo sabe que o coco de roda veio do cativeiro, tem muita raiz de candomblé, e tem fundamento e espírito que nos ajuda muito (...) Eu acho que todos os cocos vêm de raiz de espírito de candomblé”. 9
Para ser Mestre, Ana teve Mestre. Pessoas, como a Mestre de coco do Amaro Branco, Dona Jovelina, que ensinou e despertou o gosto dessa dança e canção em Ana. “Com a Mestra aprendi a cantar e tocar o ganzá (...) não cantava só, eu respondia os cocos que ela fazia”, diz. Dona Jovelina era uma sertaneja que escreveu letras, segundo Ana, que hoje é cantada com outra versão, por outros coquistas. Ana lembra do dia em que foram (ela mais nova, acompanhada de Dona Jovelina) fazer o coco na casa de uma “senhora”, que ela não lembra o nome. Essa senhora mandou retirar o bolo que estava na mesa, ordenando que apenas depois da festa, quando estivesse no final dos festejos, eles poderiam comê-lo. Daí Ana conta que a Mestra Jovelina escutou e não gostou daquela atitude, a “obrigando” a responder um coco que acabara de ‘tirar’ (fazer na hora). O coco assim foi feito:
Ô boa noite, dona da casa
Não quero o seu bolo não (refrão / solo – D. Jovelina)
Nós viemos festejar o glorioso São João (resposta – Ana e amigas)
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9 Todos os depoimentos de Ana Lucia Nunes da Silva, neste texto foram dados a este pesquisador, em dois de abril de 2008, em sua casa, no bairro do Amaro Branco, em Olinda
Tradição e respeito são elementos que, relacionados ao coco, compõe a “filosofia” de Ana Lucia. Sobre a manifestação do coco no Amaro Branco, em décadas mais anteriores, Ana explica que não existia o funk, o brega, o pagode etc, e o coco tinha maior aceitação: “Coco era uma brincadeira que todas as pessoas brincavam, mulher casada, moça, criança... Era uma brincadeira religiosa e respeitada. No tempo que eu comecei a cantar coco, as mulheres dançavam com as mulheres, e os homens com os homens”.
Ana conta que existiam pessoas que não eram coquistas, mas cediam as casas para os coquistas cantarem. Ela destaca a tradição no coco praieiro, o Acorda Povo: “Quando a gente tava no melhor do coco, por volta das duas da manhã, os donos da casa, cedida ao coco, queriam acabar com a festa. Eu dizia pra mim mesmo que quando crescesse e casasse, ia fazer meu próprio coco (...) Mas quando chegava na entre véspera de São João, a gente fazia o Acorda Povo, que ia até de manhã. O coco começava mais cedo, quando dava meia noite saia o Acorda Povo, com um andor, e ia à Rio Doce. Chegando lá se colocava o andor na beira do rio, tomava banho e fazia os pedidos, soltava os fogos, levávamos comida e bebidas, e lá continuava o coco. Essa festa só terminava de manhã. Todo coquista que é coquista sabe o que é o Acorda Povo, o que não é pra todo mundo”.
Além de Dona Jovelina, sua Mestra direta que morreu aos 86 anos, Ana lembra de Benedito Grande, Aruá, Gilberto ‘Doido’, Euclídes, Israel, pessoas que faziam o coco praieiro e também já faleceram. Em sua maioria, o coco praieiro é produzido por pescadores, que escrevem sobre a pesca, sobre a comunidade em que vivem, o cotidiano e até mesmo a sociedade, de forma simples, direta e reflexiva. Ana explica que coco de roda é história, principalmente contada por eles. A instrumentalização requer a zabumba, além do pandeiro e do ganzá, com uma “pegada” bastante acelerada. Ana Lucia cita que em Itapissuma usa-se um caixa na sonoridade do coco, o que, segundo ela, fica bonito. Mas também critica a introdução de muitos elementos novos na composição sonora do coco: “O coco verdadeiro não precisa botar muito instrumento. Muito instrumento é maracatu. Na raiz do coco da gente, jamais eu substituiria o ganzá pra botar um agbê”.
Sobre os antigos costumes e lugares onde eram apresentados o coco, Ana explica que tudo era muito difícil, “Sem dinheiro, sem nada, o pessoal chamava agente... Pau Amarelo, Tururu, Praia do Ó, Enseadinha, Conceição... Não existia ônibus, só cavalo e carroça. E agente com tanto amor ao coco ia a pé. O pé inchava. Agente cantava naquelas casinhas todas cobertas de palha, casas de pescador, e fazíamos o coco até amanhecer. Esses meses todos de maio a Santana (julho) ninguém parava. Quando acabava agente fazia os vinhos de jenipapo, coava bem coado, colocava os vinhos de fusão enterrados, já que não existia cerveja nem refrigerante. Isso pro sangue era uma beleza! Além disso, existia no coco de roda a batida de maracujá e a pitu (...) coco era de pobre, pobre mesmo, que não tinha nada”.
Hoje percebemos, observando as rodas de coco pesquisadas, a presença de pessoas muito jovens da classe média. É interessante como, de fato, pessoas com diferentes realidades se misturam, se cumprimentam, e tiram umas as outras pra dançar. Isso é muito presente no coco do Amaro Branco. Dentre vários coquista de renome que essa comunidade fez “nascer”, tem uma em especial lembrada por Ana Lucia, que é Dona Damiana. A história de Dona Damiana é intrigante e bastante curiosa. Envolve uma canção que, em meados dos anos 90, fez surgir na mídia uma maior atenção ao coco, provocada justamente por causa da música, a “rolinha”, de Selma do Coco. Conseqüentemente, o coco ficou mais conhecido, mais divulgado, mas nem sempre apreciado da maneira original.
Segundo Ana Lucia, o hit de bastante sucesso cantado por Selma do Coco, na verdade é de autoria de Dona Damiana. Ana fala: “Esse coco não tinha palavrão. Ele é de uma mulher que, quando eu tinha oito anos, ela tinha 78, e se chamava Dona Damiana, que nós chamávamos de vovó. O coco assim fazia”:
(refrão)
Ô corre, corre, corre
Pega, pega minha roupa
Agoa, agoa, agoa
Pega, pega minha roupa
Lembrando as influências, Ana cita as antigas rodas de coco feita em Olinda. Falou do coco da Colônia dos Pescadores (Z-4), no Carmo, e da Vila dos Pescadores, no Amaro Branco. Ana também disse que seu coco tem bastante influência, na instrumentalização, do coco feito em Goiana, cidade natal do seu marido, e falou sobre o processo de escrever as letras das músicas. “A família do meu marido veio de Goiana pra cá, e eles tinham o sambado, o sapateado, igual ao nosso. Era o mesmo cântico, as mesmas histórias bonitas, sem pornografias (...) As letras eu faço de repente. Elas vêm de repente. Ai, naquele momento que chega, eu tenho que escrever, que gravar. A letra é um dom que Deus dá. O coco de rebate sai na hora. Já o de embolada você jamais faz na hora, porque ele tem muita letra”. (na foto, Zeca do Rolete e Ana Lúcia, no coco do Pneu)
A coquista Ana Lucia participou, juntamente com os coquistas Zeca do Rolete, Aurinha, Selma do coco, Galo Preto, Arnaldo e Ferrugem, de um projeto da Secretaria de Saúde de Olinda, que objetivava fazer um disco de coco para conscientizar a população a não ter preconceito com os portadores da Aids. A sua contribuição para o disco foi a seguinte:
Sem preconceito, menina, aids não pega assim
Ela só pega em gente, que não faz prevenção (solo)
Use a camisinha sim
Tenha precaução
Não tenha preconceito Com o seu irmão (refrão)
Ela não pega no beijo, nem no aperto de mão
Ela só pega em gente, que não tem precaução (solo)
(refrão)
Ela é a sua segurança, ela é a sua proteção
Na hora do ‘vamos ver’, não tire o prazer, meu irmão (solo)
(refrão)
O coco do Pneu, onde Ana Lucia canta com freqüência, acontece todo o último sábado de cada mês. Nesse coco podem-se encontrar outros coquistas, como Arnaldo do coco, Edmílson, Pombo Roxo, Dona Glorinha, Cotia (Washigton) vocalista do grupo A Cocada, também do Amaro Branco, com linha musical mais contemporânea, e muitos outros. O espaço é bastante democrático. Todos podem pegar o microfone e cantar sua loa, desde que seja bonita e obedeça à métrica do coco. Isso é uma característica em todos os espaços de coco. Acontece o mesmo nos instrumentos. O ganzá, a zabumba, o pandeiro, e outros instrumentos introduzidos como agbê, tambor, triangulo, conga é de quem tiver disposição. É chamado de coco do Pneu por ficar no beco de Lú do Pneu, que também toca o coco. É a “Turma do Pneu”. A turma é de pescadores, pequenos comerciantes, trabalhadores, mas também é freqüentado por jovens de classe média, universitários etc. (na foto Mestre Pombo Roxo no coco do Pneu)
O coco tem essa característica de convite, de reunião, de celebração. Acontece o mesmo no coco que Ana Lucia faz em frente a sua casa, por traz do farol de Olinda. Trajadas de vestidos estampados de flores, ela, suas filhas, amigas e crianças cantam o coco até amanhecer. Os mesmos que cantam no Pneu também “tiram” seu coco na casa de Ana. O coco de Ana é praieiro, tradicional, solto. Tem origem afro-indígena, com “sincronismo” do candomblé e catolicismo. Sobre o seu gênero de coco, o solto, dissertou o pesquisador Aloísio Vilela, em sua obra O coco de Alagoas, Série Estudos Alagoanos, caderno V, Maceió-AL, 1961, divulgação do Departamento Estadual de Cultura:
A primeira manifestação da nossa interessante dança popular foi o coco solto. Chamava-se assim porque não tinha outros versos intercalados durante o canto, isto é, a amarração, que os cantadores introduziram depois. A amarração é o desenvolvimento do assunto e que serve de intermédio entre o estribilho dos cocos. O coco solto, em vista não ter amarração, era somente o refrão, tirado pelo cantador e respondido pelo povo (Vilela, 1961, pág 26).
O trabalho é uma mescla da cultura brasileira, com ênfase na cultura popular pernambucana. Muitos beberam da fonte do coco, principalmente aqueles que fizeram nascer o movimento pop de Pernambuco, o manguebeat, nos anos 80 e 90. Além do coco, outros ritmos contribuíram para essa construção cultural, como o maracatu, o afoxé, a embolada e outros mais. Sonoridade essencialmente percussiva, que denota música africana, com um jeito caboclo. Para Ana Lúcia, todos os cocos têm raízes de espírito de candomblé.(na foto Beco do Pneu)
Autenticidade é o que não falta ao coco do Amaro Branco, Amarowhite para aqueles com mais intimidade na comunidade. O bairro é reduto de pescadores, gente humilde, trabalhadora que gosta mesmo é de dançar e cantar o coco, seja no Pneu, ou atrás do farol de Olinda. Assim é o Amaro Branco, parte alta de Olinda, onde dá para se ver o mar e muitos outros bairros da cidade. Assim é o seu coco, feito por pessoas de todas as idades, que lotam as ruas e becos para ver seus Mestres cantar as loas até o amanhecer. A festa só acaba quando o sol nasce, mas para o coco começar, basta a zabumba, o pandeiro e o ganzá, e muita alegria, coisa que não falta para Ana Lúcia e todos aqueles que puxam o coco no Amaro Branco.
2 comentários:
Olá,
Moro em SP, mas tenho muito interesse na cultura pernambucana, em especial o côco. Parabéns pelo blog!
Fala brother td bom? primeiramente parabéns pelo blog achei interessante a reportagem sobre o côco do amaro branco e gostaria de saber se você tem como conseguir o nome das faixas do 1ºCD poís destruiram a capa do meu cd consegui pegar ele inteiro maa sem a capa e com ela se foi o nome e as letras
meu email> pe_leandro134102@hotmail.com
Obrigado e parabéns.
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