08/10/2008

O coco do Mestre Galo Preto

Fotos e texto por Luiz Bernardo Barreto
Pesquisa Orientada pela Prof. Aline Grego Lins
(esse texto é parte da pesquisa de Especialização em Jornalismo Cultural feita por esse pesquisador)

Dentre os vários coquista que abordei nessa pesquisa, Tomas de Aquino Leão, 73 anos, o Mestre Galo Preto, foi um dos que mais contribuíram para o desenvolvimento desse trabalho. Sua sabedoria sobre os diferentes tipos de coco, sua história e origem, seu desenvolvimento e relação com outras manifestações culturais, me ensinaram bastante. Pode-se dizer, que antes de ser uma entrevista, o seu depoimento foi uma verdadeira conversa que me orientou e direcionou na pesquisa.

Nascido em uma família rural de cantadores, lembra logo no início da entrevista: “Embolada e coco é uma coisa só. Muda só porque embolada é uma coisa que foi feita para ser cantada nas ruas como meio de sobrevivência, e o coco é mais uma coisa de salão, de reunião de família. Acontecia quando tinha um motivo de festa, como um casamento, um aniversário etc” 10. O pesquisador Jimmy Vasconcelos de Azevêdo, em seu artigo O pandeiro e o folheto: A embolada enquanto manifestação oral e escrita, publicado no livro Cocos, alegria e devoção, de Maria Ignez Novaes Ayala e Marcos Ayala, EDURFN, Natal, 2000, disserta sobre a embolada diferenciando suas características entre a embolada de folheto (forma escrita) e a cantada (forma oral), apontando diferenças, características, historicidade e espaço social, da seguinte forma:

Contundo, ao estilizar a embolada, sistema literário próprio e distinto, transformando-a em forma de composição poética, o folheto acaba por operar uma “redução” que tem muitas implicações. Uma das principais talvez seja a mudança de código: do oral para o escrito, o que por sua vez resulta numa série de modificações e adaptações. Além do mais, perde-se o contexto da praça pública, da feira, e junto com ele toda a sua espontaneidade, liberdade e familiaridade características do momento em que “se tira o verso” rodeado por um público que, embora heterogêneo, não deixa de comungar daquele universo e das situações que o compõem. O caráter desbocado e corrosivo do riso perde em muito o seu poder quando é estilizado no registro escrito, pois, seja consciente, seja inconsciente, acaba havendo uma certa censura por parte do poeta do cordel. Não é reproduzido no folheto nem o palavrão nem as imagens escatológicas “imorais” tão peculiares à embolada. E até mesmo nos folhetos em que se vislumbra o desafio entre cantadores, o tom deixa de ser escrachado e desrespeitoso, completamente livre e desbocado. Parece se aproximar muito mais dos folhetos em que se reproduzem simulações de desafios da cantoria (Azevêdo, 2000, p. 86).


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10 Todos os depoimentos de Tomas de Aquino Leão neste texto foram dados a este pesquisador, em vinte e um de maio de 2008, na Biblioteca Pública de Olinda, no bairro do Carmo, Olinda.

O mestre Galo Preto tem como forte característica a embolada. Forma poética e inteligente de se fazer a letra na hora. Essa é a grande “marca” de Tomás de Aquino Leão. Como afirmou o Mestre Galo Preto e registrou o pesquisador Azevêdo, a embolada tem forte influência das ruas onde é mais cantada e apresentada, até mesmo por meio de sobrevivência. Na entrevista que fiz com Tomas de Aquino, procurei abordar não só o seu conhecimento relacionado à manifestação do coco, mas também sua opinião.

Nas décadas de 50 e 60, Galo Preto ficou conhecido como “Galo de Ouro”. Sua primeira atividade comercial é que o fez ser “descoberto” e apreciado. Tomás de Aquino Leão, fazia repentes enquanto vendia batatas na feira. Ou vendia batatas enquanto fazia repentes? Quem decidiu que o vendedor era sim um grande artista popular, e não um vendedor foi o Rádio, que logo o revelou como um repentista de renome, que mais tarde dividiria o palco com Jackson do Pandeiro, que já foi seu sanfoneiro, Cauby Peixoto, Arlindo dos oito baixos, Luiz Gonzaga e muitos outros.

Galo Preto frisa que, mais recentemente, o coco tomou características de espetáculo, de show, e até de profissão. Ele ainda analisa e compara a forma de se fazer coco nos tempos atuais, e como era feito mais antigamente. “Segundo minha mãe e meus avós, o coco era cantado e foi originado nas senzalas. Os escravos, presos nas senzalas, não tinham condições de participar de festa nenhuma, então eles, num momento de descontração, de alegria, ou até para vencer o tempo, faziam o coco”. Galo Preto explica, falando sobre a origem da manifestação, que na roda feita por homens e mulheres não havia instrumentos. Esse papel, de instrumentalizar a música, era feito pelos pés e mãos. Essa é uma característica muito forte no coco sertanejo e agrestino. É o coco de carretilha (agreste), como diz o Mestre.

Vale lembrar, como já foi registrado nesse trabalho, que o coco, mesmo com elementos indígenas, é de forte influência negra, provinda de países como Angola. Essa é uma característica bastante encontrada no coco de umbigada, presente no litoral do Estado.

O cantador e Mestre Galo Preto explica que esse é o primeiro coco, mas isso não quer dizer, segundo ele, que o coco do litoral seja proveniente do interior do Estado. “O acompanhamento do primeiro coco é a batida do pé e a palma de mão. Depois entram o ganzá e pandeiro. O verdadeiro coco é ganzá e pandeiro (...) Mas isso não quer dizer que o coco do litoral veio do interior, pois os escravos que aqui desceram já faziam o coco(...) o coco foi criado em cada região à sua maneira”.

A evolução e introdução da zabumba, segundo o Mestre, é algo do coco praieiro. Daí formou-se a base instrumental do coco da praia, que é a zabumba, o pandeiro e o ganzá. De fato, podemos perceber que o coco do interior do Estado apenas usa o pandeiro, o ganzá, e às vezes o triângulo. A sonoridade da zabumba é feita na batida dos pés e mãos, sendo essa uma forma de improvisar. Devemos lembrar também que, o coco Raízes de Arcoverde, do sertão pernambucano, usa o bombo, não a zabumba.

Galo Preto é um defensor da improvisação. O Mestre afirma que “o cantador de coco tem que ser um criador, tem que saber improvisar”. “O coco, pelo que conheço, é uma disputa de talento e conhecimento no salão. O verdadeiro coquista é aquele que cria, que faz o coco e tem a improvisação do coco”. O mestre ainda cita um coco de sua autoria que fala sobre os instrumentos da música, e da referência que dá o nome à própria manifestação, o coco.

Assim é o coco:

Bate o pandeiro, balança o ganzá
Deixa a zabumba zoar e vamos até de madrugada (refrão)


Aricuri, catolé, coco dendê
Não é coco pra vender e nem pra fazer cocada
Meu camarada, todo coqueiro tem palha
Quem não sabe se atrapalha que isso é coco de embolada (solo)

Percebesse que a rima, a amarração, é bem construída. As palavras que rimam estão bem posicionadas nos versos:

... ganzá / zoar
... dendê / vender
... cocada / camarada
... palha / atrapalha
... embolada

Uma característica existente em todos os cocos, independente da região, do estilo da dança e até mesmo da instrumentalização, é a “amarração”, que é a rima do coco. Segundo o Mestre Galo Preto, independente de qual seja o coco, todos eles tem que ter a amarração, pois é essa que dita o compasso da música. Ainda questionando Galo Preto sobre os instrumentos que compõe a musicalidade do coco, pergunto sobre a introdução de novos elementos na sonoridade, como o cavaquinho e a flauta doce, encontrados no recente trabalho do também coquista de Olinda, Mestre Ferrugem (cd: Mestre quando Canta, Discípulo tem que Respeitar). Galo Preto é bastante enfático: “Totalmente errado. Está tirando a característica do coco. O coco autêntico é pandeiro e ganzá, agora a turma, pra enfeitar e dá mais harmonia, ta modificando o coco. Isso não deveria existir”, critica.

Insistindo em explicações sobre as diferentes formas do coco, ele introduziu a conversa no coco do sertão. Daí explicou o surgimento de uma das músicas mais conhecidas do coco, o Mineiro Pau. “Se arrancava o feijão, feijão de arranque... Não tinha a técnica que tem hoje, máquina pra desembrulhar o feijão, então o feijão era desembrulhado na base do cacete... Então era uma ‘tunha’ de homens, se colocava o feijão no terreiro para secar, e depois que ele estava seco, juntava todo o pessoal com o cacete na mão e começavam a bater no feijão, para soltar o caroço da ‘bage’. Daí vem a expressão: Mineiro Pau, Mineiro Ô”. Mas o coco não acabava ai. Galo Preto explica que quando colhia todo aquele feijão, se fazia o coco da comemoração da safra, onde reuniam todos e se sambava o coco das 19h da noite às 07h da manhã. No artigo se Samuel Campelo, publicado na obra de Mário Souto Maior e Waldemar Valente, Antologia Pernambucana de Folclore, Fundação Joaquim Nabuco, editora Massangana, Recife, 1988, o pesquisador ressalva que o mineiro pau é uma corruptela de maneiro pau (p. 277).

Ainda falando sobre os diferentes tipos de cocos, ele cita sobre o coco brejeiro (alagoano, segundo ele), e lembra o coquista Jacinto Silva. Dentre a citação, ele lembra os coquistas praieiros Fome, Luiz Boquinha, Antônio Roxinho, Zé Aruá, Sebastião de Goiana (já falecidos), pra ele bastante influentes. Adentrando mais sobre o Fome, ele cita um coco bastante interessante, com forte característica de disputa. “O Fome fez esse coco, que era uma maneira de amedrontar o adversário e o avisar que não ia ser fácil”:

(primeira parte)

O cantor que atravessar Vai provar do meu veneno (refrão – bis 2x)


Essa minha drogaria, só eu sei como ela é
Tu não duvida mané, que isso não é brincadeira
E não é besteira, o veneno é um perigo (solo)
Tu não duvida, sujeito
Se tu beber tu morre ai mesmo, porque doutor nenhum dá jeito

Percebe-se que a métrica (o compasso) do refrão tem mais elementos do que a métrica de um coco comum, como o de quadra, por exemplo. A primeira frase (do solo) rima com a metade da segunda frase. A terceira frase não procura nem determina rima. Já a quarta frase é formada por três terços e ainda rima com a quinta frase do verso.

Ou seja, o elemento a mais no refrão é construído no que se sola dentro de uma própria frase (a terceira), e se acrescenta uma métrica na quarta frase. Dessa forma, o tempo de espaço deixado vazio no que se sola, é preenchido na quarta frase.

Assim é cantada:

1º Essa minha drogaria, só eu sei como ela é
2º Tu não duvida mané, que isso não é brincadeira,
3º E não é besteira (solo)
4º o veneno é um perigo, Tu não duvida sujeito
Se tu beber tu morre ai mesmo
5º porque doutor nenhum dá jeito

É como se o coquista “solasse” dentro do próprio solo. Isso é encontrado na frase “E não é besteira”.
Continuando a falar sobre coco de desafio, lembrou Luiz Boquinha em uma loa de forte cunho de disputa. “O cara vem pensando que é o cobrão e vem ganhando pra todo mundo (...) ai Luiz Boquinha fez assim”.

A música assim é escrita:

Cantor, cantor
Caísse no meu “mundé” (refrão bis 2x)

Tais preso, tais amarrado
Algemado, acorrentado (solo)
Só sai quando eu quiser

Essas antigas loas eram escutadas nos antigos lugares que se cantava e dançava o coco. O coco era cantado e dançado, além das comunidades mais pobres e quilombolas, em casas cedidas por pessoas de classe financeira mais elevada, e praias próximas às comunidades dos grupos de coco. Nas praias também se cultivavam as cirandas. Daí, sua proximidade com o coco.

Conversando com Galo Preto, percebi uma relação da ciranda com o coco em suas palavras, quando disse: “Botaram esse nome de coco, porque os primeiros cantadores de coco eram justamente as pessoas que colhiam o coco (fruto), o tirador de coco (...) então na batida da foice no coco, para descascar, veio o ritmo chamado coco de praia. Os jangadeiros, por exemplo: A jangada tem um balanço que originou a ciranda. Se você olhar direitinho, a dança da ciranda é a dança do remo da jangada. Toda ciranda tem ligação com a praia, com a zona da mata (...) Goiana, Olinda, Igarassu, Jaboatão... Nesses lugares todos havia roda de coco, mas cantado em época, como o São João”. A praia é um lugar comum dessas manifestações populares. Sobre a ciranda a pesquisadora Maria Ignez Novaes Ayala, em Cocos, alegria e devoção, EDURFN, Natal, 2000, Os cocos: Uma manifestação cultural em três momentos do século XX, apontou:

Há também uma preferência pela ciranda em várias localidades visitadas. São raros os grupos que só dançam cocos, sem alterná-los com a ciranda, dança muito popular na Paraíba e no Nordeste. Segundo alguns depoimentos, os cocos aparecem depois da meia noite. Antes, só ciranda. Estar oculta em outra dança, leva-me a pensar que em alguma época, a brincadeira do coco pode ter sido reprimida. Abrigados em outra dança, os cocos estariam driblando a repressão (ou, mais recentemente, a discriminação), recurso semelhante ao utilizado pelos rituais afro-brasileiros, que se desenvolviam sob a fachada do catolicismo. (Ayala, 2000, p. 37)

Nesse mesmo questionamento, Mestre Galo Preto lembra o coco do Toré, o mesmo que aqui (no litoral) chamamos de ‘valsar’ (originado pelo Toré), segundo o Mestre: “O coco dos caboclos é uma ‘tuia’ de gente, se aproximando e se afastando uns dos outro, e rodando num só sentido... Enquanto o coco de praia e o brejero, cada um entra na roda e faz sua estripulia, faz seu jeito de dançar, sai, outro entra na roda... Na Bahia se dança de um jeito, em Pernambuco, Alagoas e Paraíba de outro jeito... Mas com certeza os índios foram uns dos primeiros a dançar o coco. Na Bahia chama-se samba de roda, já não é coco. Em Alagoas é pagode alagoano, aqui em Pernambuco é mais conhecido como coco de embolada. Há diferenças tanto na maneira de dançar, como de cantar”. O coco do toré aqui em Pernambuco é representado pelo grupo fetxha.

Assim como Luiz Boquinha e Fome, coquistas mais antigos, Galo Preto apresenta características de coco de embolada, o que puxa a inovação, a criação momentânea do verso, da rima, ou seja, como ele próprio fala, da amarração. Comenta Abelardo Duarte em Folclore Negro das Alagoas: “Caracterizam-se as emboladas pelo seu ritmo ligeiro (em compasso binário), sendo que divergem fundamentalmente das “emboladas” sertanejas porque não há dialogismo nelas. É, pois, uma diferença de base, estrutural. Isto não deve ser esquecido” (pág 58, 1975, Maceió-AL). O pesquisador Jimmy Vasconcelos de Azevêdo, em seu artigo O pandeiro e o folheto: A embolada enquanto manifestação oral e escrita, publicado no livro de Maria Ignez Novaes Ayala e Marcos Ayala, Cocos, alegria e devoção, EDURFN, Natal, 2000, disserta sobre a forma estrutural da embolada e seu procedimento utilizado no canto da seguinte forma:

Com muita freqüência são utilizadas as quadras, as sextilhas e as décimas; formas também chamadas de 4 linhas, 6 linhas e carreirões. Esses três gêneros parecem ser o mais apreciados, embora sejam muito usados também as sétimas. É interessante notar, entretanto, que parece não haver obrigatoriedade de manutenção, de um mesmo gênero numa embolada, isto é, nada impede que se comece a cantar a sextilha e logo após se passe a cantar a sétima, oitavas ou mesmo décimas. O metro é sempre a redondilha, variando entre a maior e a menor. O procedimento utilizado no canto é, via de regra, o seguinte: um dos emboladores canta a parte solista, enquanto o outro, ao final desta, diz o refrão. Mas isso não é sempre. Existem emboladas em que os dois se revezam na parte solista, cantando ambos o refrão em coro (geralmente quando o refrão é uma quadra, ou forma mais longa). Há os “cocos malcriados”, como chamam os próprios emboladores, em que ambos cantam, depreciando-se mutuamente. Tais emboladas são, na maioria das vezes, quadras; mas podem, no decorrer da performance evoluir para décimas, mais usadas por alguns que por outros, isso talvez porque, devido à sua grande duração, esse gênero force bastante a voz”. (Azevêdo, 2000, p. 84)

Tomas de Aquino Leão, o Galo Preto, que tem a embolada como principal característica, é uma pessoa simples, de boa conversa, educada e bastante receptiva. De fato, como ele defende, o improviso é a maior característica do embolador. Assim como Mestre Ferrugem, Galo Preto vem de uma “escola” de batalha, ou seja, foi criado fazendo coco, boa parte das vezes, em forma de disputa. Seu coco é litorâneo, coco solto, seu improviso é ligeiro, sua loa é bem feita.

Em 2008, Galo Preto completará 65 anos de coco, de cultura viva e presente. Ele é defensor de uma cultura popular que objetiva preservar as manifestações religiosas e rítmicas, a cultura do coco. Seu repertório é composto por repentes que falam sobre a vida, histórias, o agora. Versos feitos na hora. Sua loa é inteligente e rápida. Seu trabalho é uma importante ferramenta de mantimento da cultura popular.

1 comentário:

Ana Carina disse...

pow, eu rpocurando amterial serio, oia oq eu acho, rsrsr , show de bola, Louis!