22/10/2008

O Coco de Umbigada de Beth de Oxum

Fotos e texto por Luiz Bernardo Barreto
Pesquisa Orientada pela Prof. Aline Grego Lins
(esse texto é parte da pesquisa de Especialização em Jornalismo Cultural feita por esse pesquisador)


Batuque forte, de afro-descendência, grande presença religiosa e ritmia altamente percussiva. Essas são características do coco de umbigada. O coco de umbigada, de descendência africana, mas com forte conteúdo indígena, é uma vertente do ritmo do coco que enfatiza a percussão, utilizando instrumentos usados em outras manifestações de origem negra, como o maracatu, por exemplo. Em Olinda o coco de umbigada é representado por Maria Elisabeth Santiago de Oliveira, 45 anos, conhecida com o nome artístico e religioso por Beth de Oxum, nascida e criada no Guadalupe. O coco que Beth faz veio da aldeia (parte mais alta) de Paratibe, em Paulista-PE. “A família do Quinho, meu marido, tinha a herança dessa família do coco... Na realidade o avô de Quinho, bisavô dos nossos filhos. Eles eram coquistas, tanto por parte da mãe, quanto por pare do pai”, 12 explica.

Beth fala que na medida que os mestres morriam, o coco ia parando e aconteciam menos manifestações. Daí, para “reestruturar”, fazer prevalecer à manifestação, a batalha era grande. “Muito desses parentes viraram evangélicos, perderam a auto-estima com a brincadeira, pois na proporção que se convertem, não se tem mais pertencimento com isso. E isso é um problema muito sério para a cultura popular do nosso Pais, não só do coco, mais de toda matriz afro-indígena, que com esse movimento pentecostal, nós estamos perdendo as lideranças culturais e espirituais que seguram o axé da brincadeira da cultura popular (...)”. Beth funda suas críticas, principalmente à mídia que, segundo ela, padroniza as manifestações culturais e as coloca em um nível folclórico, lendário e em ciclos, como os períodos do Carnaval e São João, distanciando do público que, por sua vez, não compreende bem manifestações que sejam diferentes das que costuma seguir.

Além de ser mestra de coco, Beth de Oxum já havia sido presidente do afoxé Alafin Oyó e dirigiu o afoxé Povo de Oxum. O coco feito por ela no bairro do Guadalupe, todos os primeiros sábados de cada mês, já foi “palco” de cocos antigos, regidos por Mestres como Zé Arua. “Aqui o espírito já existia de fato. Os primeiros cocos (feito por ela) foram feitos em Paratibe, onde tudo começou, mas ele se fortalece no Guadalupe, onde eu tenho um terreiro. Começamos a ensinar aos nossos filhos e os meninos da comunidade. Fazíamos no quintal, no terreiro, depois dentro de casa, daí passamos pro “beco”, que ficou pequeno (beco do Guadalupe), depois fomos para a avenida do Guadalupe, que também ficou pequena, e agora, há um ano e meio, estamos no Largo do Guadalupe”, diz. Beth conta que enfrentou muita resistência da família em voltar a fazer o coco de umbigada, mas as crianças foram uma boa escolha para se reiniciar essa manifestação, através de aulas e conscientização.
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12 Todos os depoimentos de Maria Elisabeth Santiago de Oliveira, a Beth de Oxum, neste texto foram dados a este pesquisador, em 17 de junho, de 2008, na sede do coco de Umbigada, no bairro de Guadalupe, em Olinda.

Perguntada sobre as origens do coco, suas diferenças rítmicas e vertentes variadas, Beth afirma que “há quem diga que o coco vem da senzala e se prolifera Nordeste afora em forma de vertentes, como coco de praia, coco de salão, de rojão, de furada, de quebrada, de embolada... entre muitos e muitos, coco de pisada e coco de embolada. Cada um tem sua especificidade. Tem lugares que você encontra o coco com um foco rítmico, a instrumentalização, que usa um bombo, um ganzá e um pandeiro, só. O coco de embolada é o pandeiro e a voz, a mazuca tem forte sonoridade dos tamancos, seu samba de coco tem trupé (13) que marca bastante, e tem um bombo muito característico da Mata Norte, que vai se interiorizando. Quando você vem para o litoral, vêem-se diversos cocos, mas tem algo peculiar, que é a batida do pé, e tem o bombo do coco, que muitas vezes é da própria macaíba (14). Agente vem com a zabumba, que pertenciam aos avós, que tem mais de cem anos, e é feita de macaíba. É uma zabumba que inicialmente tinha os dois coros, ai agente trocou o coro da resposta, colocamos uma pele, pela sonorização mesmo, pois um lado faz o grave e o outro dá a resposta, o que chamamos de ‘bacalhau’. A zabumba ancestral é o grande espírito do coco da gente”. Beth continua explicando a sonorização do seu coco, e fala de outros instrumentos: “Também tem o caixa pequenininho de frandi (15), material que se fazia os elus (16) de antigamente. É um material feito zinco, e sua esteira é feita com o coro do boi. Agente preserva a formação, mas pomos as congas (17),. para dar uma melodia percussiva. O meu coco é diferente, como diferente é a batida do coco(...) aqui tu vai ver o coco de Selma, de Aurinha, de Zé Neguinho, de Ana Lúcia... uma coisa muito peculiar, uma batida muito litorânea”.

O coco de umbigada “se mostra” o mais ligado às origens negras, aos princípios africanos de ritmo. A percussão é o “carro-chefe” desse coco que, em Olinda, além do coco de umbigada de Beth, é representado pelo coco da Nação Xambá, Grupo Bongar e, na instrumentalização, o coco feito pelo grupo A Cocada, dentre outros. Os cocos da vertente “mais negra” usam instrumentos maiores, mais pesados. A zabumba, por exemplo, no coco de Beth de Oxum é feita de macaíba. Madeira mais pesada e resistente que era usada para fazer os tambores, zabumbas e demais instrumentos de percussão usados nas origens das manifestações africanas. A zabumba, no coco de umbigada tem duas peles de couro. A pele de baixo, tocada com uma vareta fina, é a chamada bacalhau, a pele da resposta. O uso do agbê (maiores que o comum) também é vigente nesses cocos. Não que substitua o ganzá, mas sirva como mais um instrumento que tem o balanço como ritmia, e a graça e beleza como dança. Também tem a característica física dos instrumentos, que por mais que a sonoridade seja parecida, suas formas são diferentes. O ganzá tem o alumínio como base, o agbê tem a cabaça.

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13 Trupé é uma forma de dançar coco em que os passos são dados rapidamente, complementando a sonoridade da música tocada pelo grupo. Geralmente se usam tamancos para executá-lo.
14 Madeira usada na fabricação de tambores e demais instrumentos percussivos, de origem negra.
15 Material usado para fazer embalagens.
16 Instrumento de matriz africana, feito de um bojo de couro de bode e madeira de macaíba. Sua métrica é composta por marcação, meio e viração, compostos em três tempos. Representa a troca da cultura indígena com o candomblé.
17 Tambor semelhante ao atabaque, usado em par ou trio, O instrumento possui um casco cônico ovalado, quase como um barril.

Beth de Oxum fala que seu coco tem uma especificidade religiosa bastante compromissada e fala sobre as letras do coco: “Nada disso veio solto, e sim de uma brincadeira profana, mas com grande contexto no sagrado... De uma maneira geral, o terreiro é o grande responsável pela cultura popular. O samba, o coco, o maracatu de baque solto ou baque virado, o tambor de crioula, o jongo, tudo isso vem do terreiro (...) Eu acho que o coco é uma música que retrata muito da simplicidade do seu povo. Inicialmente é uma música que agente canta o nosso cotidiano, canta o bairro, a comunidade, todo nosso entorno”.

Abelardo Duarte em Folclore Negro das Alagoas lembra uma citação de Arthur Ramos em O Folk-lore Negro do Brasil (Rio, 1935), que, por sua vez, reproduziu uma descrição de Alfredo Sarmento, citada por Marcelo Soares no Dicionário Brasileiro de Língua Portuguesa. A citação de Alfredo Sarmento é colocada por Abelardo Duarte da seguinte forma:

Em Loanda, e outros distritos de Angola, o batuque consiste também num círculo formado de dançadores, indo para o meio um preto ou preta, que, depois de executar vários passos, vai dar uma umbigada, a que chamam samba, na pessoa que escolhe, a qual vai para o meio do círculo, substituindo-o. (Duarte, 1975, p. 71)

Abelardo Duarte também conclui que “a umbigada ou embigada – samba no dizer dos negros – é especificamente de origem negro-africana e serviu como elemento de caracterização da origem da dança”.

O coco de umbigada do Guadalupe, regido por Beth de Oxum, também realiza projetos sociais, relacionados à inclusão dos jovens com aulas de tecnologia da informação e produção e edição de vídeos, por exemplo. Inicialmente o projeto era feito de forma voluntária, onde era inserida uma vertente infantil do coco, que é o “Coco de Umbigadinha”. Essa ação foi reconhecida em 2004, pelo Ministério da Cultura, como Ponto Cultural, fortalecendo a relação de pertencimento da comunidade com a manifestação. “A partir daí mudou-se o paradigma. Era um edital público que o Ministério da Cultura queria reconhecer quem nunca tinha recebido nenhum recurso. Daí nasceu o ‘Cultura Viva’, projeto do Ministério para garantir sustentabilidade as ações que já eram desenvolvidas e envolviam as comunidades”, explica Beth de Oxum.

Esse projeto fez chegar os recursos necessários para a “manutenção” dos princípios da manifestação da música, que, além de tocar o coco com freqüência e periodicidade, dispôs de oficinas e práticas sociais, como dança e aprendizado técnico. “Agora podemos trabalhar com a perspectiva de pagar o oficineiro, que já não precisa ser voluntário (...) nas oficinas de percussão, no cine-clube (...) Os terreiros tem a essência da música, mas nós não escutamos a nossa música. A gente liga o rádio o tempo inteiro, e a nossa música não toca. E não é só o coco. Não toca o Maracatu, não toca o Frevo, não toca a Ciranda, não toca o Afoxé, então a gente precisa criar nossas mídias, e a partir daí as rádios comunitárias e os cine-clubes, e as formas diversas de possibilitar a comunicação à informação para as comunidades”, defende Beth de Oxum.

Essa foi uma ação que fez nascer o cine-clube Macaíba, que já existe há sete anos, e tem como principal objeto dá um outro “recorte”, mostrar uma outra visão de cinema, que promova pertencimento sobre a manifestação popular. “Agente entende que o coco é do terreiro, e o terreiro tem uma responsabilidade social no País e na comunidade a partir da célula rítmica do coco, do canto, da dança”.

O coco de umbigada é executado com vários instrumentos de percussão, alguns não presentes como nos cocos do agreste e sertão, e até mesmo do litoral, como as congas, por exemplo. Sua ritmia é pesada, forte, estridente. O compasso da sua musicalidade é fortemente ligado ao candomblé. A sua dança é sensual e envolvente. O samba, que hoje nos conhecemos, principalmente da vertente do sudeste do país, como o carioca e o paulista, deve muito, na sua forma, às danças de umbigada do Brasil. Maria Ignez Novais Ayala afirma, em Uma manifestação cultural em três momentos do século XX, 2000, que:

São fortes as marcas da cultura negra nos cocos, especialmente nos dançados: os instrumentos utilizados, todos de percussão (ganzá, zabumba ou bumbo, zambé ou pau furado, caixa ou tarol), o ritmo, e dança com umbigada ou simulação de umbigada e o canto com estrofes seguidas de refrão desenvolvido pelo solista e pelos dançadores. Esses elementos aparecem também no batuque, no samba-lenço paulista, no jongo, no samba de partido alto, no samba de roda da Bahia. (Ayala, 2000, p. 22)

O coco de umbigada, bem como todas as danças de umbigada do nosso país, é um patrimônio vivo, e tem que ser preservado para que haja pertencimento daqueles que estão envolvidos nela, e aqueles que nasceram nesse contexto social e puramente cultural. O trabalho de Beth de Oxum é exemplo de manutenção dessa vertente extremamente difusora de conhecimento, cultura e religião. É em trabalhos como esse, pautado na crença de uma nova forma de causar pertencimento nas comunidades, que percebemos que a cultura popular pode, de diversas formas, ser estruturada não só com idéias e vontades, mas também com coragem e atitude.

O Guadalupe é um celeiro cultural que mantêm a tradição do coco de umbigada todos os primeiros sábados de cada mês. Ali, gera economia, cultura, tradição, pertencimento e, sobretudo, resistência e conhecimento.
Beth de Oxum teve, e tem, diversos Mestres. Aqueles que já passaram pelo seu
terreiro, são: Mestre Nino, Dona Cila e Dona Célia (irmãs), Fábio Lima, Pombo Roxo, Zeca do Rolete, Ferrugem, entre outros. O Guadalupe é uma “escola” de coco que traz a ancestralidade rítmica, e tem uma filosofia condizente na qual “o grande Mestre não é aquele que sabe, mas sim aquele que consegue ter espiritualidade pra passar o que sabe”. Entre várias ações de cunho social, realizadas pelo coco de umbigada de Beth de Oxum, existe a Ação Griô, um Programa Nacional, criado pelo Ministério da Cultura com a ONG baiana Grão de Luz, que objetiva reconhecer saberes tradicionais, e procura formas de conhecimento além da escola. Fazer reconhecimento de diversos Mestres de diferentes culturas e manifestações populares desse país, onde ganham uma bolsa para compartilhar do conhecimento com escolas e universidades e enfatizar a importância da sua prática na pedagogia dos terreiros é também um dos objetivo da ONG.

Ao longo dos dez anos de existência do coco de umbigada no bairro do Guadalupe, em Olinda, pode-se dizer que essa mobilização já se transformou numa importante manifestação popular, principalmente por ocorrer em datas periódicas e ter o respaldo e apoio do Governo Federal, através do Ministério da Cultura. Há um pertencimento muito forte do coco por parte da população daquele bairro. “Hoje, o bairro inteiro, a comunidade inteira é protagonista nesse contexto. No dia da sambada, literalmente todo mundo vem, vende alguma coisa, brinca... Além do coco, além da música, além do terreiro, nós temos aqui mobilização social. O tele-centro faz a inclusão digital da comunidade e a coloca nessa perspectiva de se apropriar de novas tecnologias. O cine-clube traz uma mídia que promove pertencimento, forma platéias e cria identidade. O cine-escola usa a ferramenta áudio-visual para melhorar o ensinamento e trazer conteúdo para escola pública, tendo uma visão crítica e produzindo debates sobre os filmes. Hoje a tecnologia tem um papel social”, afirma Beth de Oxum.

A dança do coco de umbigada vem da vertente, logicamente, das danças de umbigada do Brasil, onde tem a roda, a gira, e outros passos presentes no coco. A forma clássica de se dançar é o casal dá umbigada, ou seja, com um passo à frente juntar o umbigo com umbigo. Esse compasso da dança está presente em diversas tipificações de dança de umbigada, como o jongo, o lundu, o tambor de crioula, e o samba de roda.

Sobre a Dança de Umbigada

Edison Carneiro em seu livro, “Samba de umbigada, tambor de crioula e bambêlo”, de 1961, cita a umbigada como uma dança originária de Luanda, sendo um batuque que consiste num círculo formado por dançadores, que vão ao meio do círculo e dão umbigada uns nos outros de acordo com o compasso da pegada. Carneiro (1961, p. 09) também cita os pesquisadores Alfredo de Sarmento e Capelo e Ivens, que observaram, à margem do Cunene, na região de Canconda (Cunene é uma província ao sul de Angola, sua capital é Ondjiva) e dissertaram sobre a umbigada, entre outras manifestações dançadas. A umbigada nessa região também é conhecida como “semba”.

Segundo Alfredo de Sarmento (IN: Carneiro, 1961, p. 55), o batuque é a dança usada geralmente por todos os povos de Luanda, mas com alguma modificação, mesmo que pequena. O pesquisador, nessa obra descreve a umbigada como uma dança obscena, depravada, que reina entre aqueles que lá habitam. O estudioso também registra na obra que é rara a noite que não haja a manifestação da umbigada. E que a dança também é presente de forma massificante nos tambi, que são os funerais:

As cabaças de malavo (vinho de palma) circulam de mão em mão; os quissanges, as marimbas, os batuques (instrumentos musicais) fazem um motim infernal, e a toada monótona das canções é repetida por todos os que tomam parte na dança e pelos espectadores. A letra das canções gentílicas é sempre improvisada de momento e consiste geralmente na narrativa de episódios amorosos, de feitiçaria ou de façanhas guerreiras. Há negros que adquirem a fama de grandes improvisadores, e são escutados com o mais religioso silêncio e aplaudidos com o mais frenético entusiasmo. A toada é sempre a mesma e invariável o estribilho que todos cantam em coro, batendo as mãos em cadência e soltando de vez em quando gritos estridentes(...) forma-se circulo composto dos dançadores e dos espectadores, fazendo parte dele também os músicos com os seus instrumentos. Formado o círculo, soltam para o meio dele dois ou três pares, homens e mulheres, e começa a diversão (...) (Carneiro,1961, pág. 56).

De fato, a dança de umbigada consiste num rebolado, num bambolear mais intenso que nos outros cocos, acompanhado de movimentos dos pés, dos braços e das mãos. Tais movimentos são acelerados conforme a música fica mais acelerada. Aquele que, mais intensamente e aceleradamente executa a dança, é freneticamente aplaudido e ovacionado. O batuque é imprescindível na execução do coco de umbigada. O afoxé entra na perspectiva de trazer o samba do terreiro ao coco. Alfredo Sarmento afirma que o viés do batuque da umbigada provém de paises como Angola, Congo e Luanda. Aqui, se distingue em dança de umbigada, dança de pares, dança de roda e a de fileiras, aumentando a variedade dos gêneros herdeiros do batuque.

Edison Carneiro (1961, pág. 45) registra em seu trabalho que Alfredo Sarmento afirmava que semba seria o nome com que os angolenses designavam a umbigada. Existem várias formas de se sambar a umbigada. Carneiro lembra um outro autor, Nestor Diógenes, quando afirma que, o samba era dançado por escravos e a umbigada “efetiva” era a dança mais presente, mas, ao se introduzir a outros grupos étnica e socialmente diversos, a umbigada, propriamente dita, foi sendo gradativamente substituída por gestos obscenos, como o acenar do lenço, o convite mímico, o toque da perna. “Ao atingir os salões, como aconteceu com o coco alagoano, a umbigada – a que a moralidade burguesa dava os qualificativos de sensual, lasciva e obscena, como na África, se perdeu”. (Carneiro, 1961, pág. 46).

O contato cultural permanente entre escravos e homens com liberdade (de diferentes classes sociais e étnicas) vigente na sociedade da época da escravidão e pós-escravidão, resultou em diferentes figurações, variações de samba no Brasil. Tais aceitações, na medida que a dança ia se “urbanizando”, fizeram com que nascesse um caráter de “dança social”, pois já era dançada de forma diferente, por pessoas diferentes. Exemplo de introdução da “modernidade” que, de certa forma, fez mudar o jeito como se dança a umbigada, é encontrada no Estado de Alagoas. Diversas modalidades de danças de pares enlaçados, como o tropel, a roda de valsar, tropel repartido, substituíam o passo da umbigada no que as novas tendências chegavam aos salões da burguesia.
Os primeiros registros (de cronistas portugueses) que aborda estudos sobre as danças originárias de Angola e do Congo, têm a designação única, por eles, de batuque. Tais danças, quando aqui chegaram, foi denominada de dança de umbigada, dança de pares, dança de roda e dança de fileiras, como já foi citado anteriormente. Essas danças distinguem-se na movimentação, nos passos, na forma de dançar com o pares e se combinam e recombinam entre si, e com outras danças populares e sociais, de maneira que o batuque sofre várias diferentes formas de ser executado.

Em artigo de Getúlio César, publicado no livro Folclore, do Governo de Pernambuco, Secretaria de Educação e Cultura, 1975, disserta-se sobre novas modalidades e tipificações da dança do coco, mais especificamente da umbigada:

Com o aparecimento do baião nas caantigas e agrestes nordestinos, o coco sofreu várias alterações, no baião, ao som das violas estrídulas, uma pessoa surgia no meio da sala a sambar e depois a se satisfazer ao seu gozo de dançador feliz, trocava umbigadas com uma das pessoas presentes que nesse momento passava para o meio da sala a dançar e assim surgia o baião. (...) o coco sofreu esta modalidade, criando o coco de visita, também dançado em roda de pares. (...) o coco vem sofrendo grandes modificações. O coco de visita desapareceu. Hoje os pares não mudam: sem trocarem umbigadas dançam a noite e o dia em sapateado forte, parecendo que os dançadores estão pisoteando o solo ou em uma aposta de resistência (César, 1975, p. 44).

Podemos afirmar então, que a dança de umbigada é uma vertente de várias danças, como o lundu, o jongo, o tambor de crioula e outras. E tida como coco de roda, justamente por ser executada numa roda, e seguir outros caminhos, de sonoridade e musicalidade das danças e músicas citados acima. Vale ressaltar, que tais diferenças vem de uma matriz, a matriz africana, o viés da afro-descendência. O coco feito por Beth tem forte espírito coletivo, onde a maioria toca os instrumentos e todos caem na brincadeira da dança. É como registrou Maria Ignez Novais Ayala, em Os cocos: Uma manifestação cultural em três momentos do século XX, 2000, onde disse que:

Nos cocos dançados predomina o coletivo: para que haja a dança é preciso gente para (a)tirar os cocos e para responder dentro da roda de dançadores, gente que toque os instrumentos, gente que saiba os passos que caracterizam a dança e esteja disposta a entrar na roda. (Ayala, 2000, p. 22).

Também é muito peculiar, como foi citado por Beth de Oxum, a presença do espírito caboclo, ou seja, da manifestação provinda do índio. A Jurema e o seu culto (trata-se de uma árvore existente no agreste e na caatinga nordestina. Da casca de seu tronco e de suas raízes, faz-se uma bebida sagrada que alimenta e fortifica as pessoas de um “outro mundo”) se difundiu dos sertões e agrestes nordestinos em direção às grandes cidades do litoral. Entre os diversos povos indígenas que habitaram ou habitam o Nordeste, alguns fazem uso do ritual desta bebida. A jurema é contexto e conteúdo dentro do coco de umbigada executado por Beth.

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